A passagem do tempo é o segredo mais bem guardado de cada um
Um lado ensaio e crônica. Reflexões sobre a maturidade. Rápida evolução da comunicação digital. E mais biscoitinhos.
Você tem que procurar uma loja chamada Maleiros Avião que fica na Rua da Carioca. É só andar olhando para os letreiros dos sobrados que você vai ver a placa. Disse algum publicitário perdido na memória de duas gerações anteriores, marcando assim o início da construção do meu primeiro portfólio.
Revisito o momento, sinto novamente a textura do balcão de veludo e a poeira no nariz, como um exército de nano-robôs em uma campanha de invasão aos narizes alheios, ouço mais uma vez o mau-humor do atendente com as mãos cheias de cola de sapateiro. Estamos todos inebriados pelo agridoce sintético da substância, e vejo os preços e formatos colados desalinhados na cortiça. Quero o A3, pois me falaram que rende mais para anúncios de página dupla.
Foi caro, acho que 1/3 do meu salário de iniciante. Mas, página dupla era o que a maioria das pessoas em minha área queria fazer em 1995.
Fiz as minhas, chamei atenção com outras, fui premiado por mais algumas. Caso você não saiba, já fui Redator. E Arquiteto de Informação, Gerente de Conteúdo, Gestor de Equipes, para mais leia aqui.
Volto no tempo novamente…até que…por volta de 1998 outras páginas duplas me chamaram atenção.
Elas ficavam estiradas como gaivotas de asas abertas pegando sol em alguma ilha do Atlântico, naquilo que chamávamos “mesa de referências”. Em sua literalidade suprema, o espaço se resumia a isso mesmo: uma sisuda peça de design industrial onde a secretária da criação dispunha periódicos, jornais, revistas estrangeiras de design e moda, logo depois que os Diretores de Criação e Atendimento já as tinha lido. O que me lembrou rapidamente agora o filme “O Poço”, disponível na Netflix. Vou poupar vocês dos detalhes que me estimularam a comparação.
Como dizia, até que em 1998, gaivotas de asas estiradas mostravam tatuadas em suas penas um novo mundo que chegava finalmente em sua primeira fase comercial. A comunicação nunca mais seria a mesma, digitalizou-se e passou por mais outras duas ou três retro-transformações.
Se hoje estamos discutindo o potencial (e para alguns, a validade) e a influência das Inteligências Artificiais Generativas em nossos processos criativos e gerenciais ao redor do fazer da comunicação, voltando a linha do tempo um pouquinho estávamos alarmados com os discursos polarizados em 2016, a emergência de Ecos de Reforço e Ciclos de Dopamina em 2011, o crescimento das redes sociais em 2008, a internet 2.0 em 2003.
E Bill Gates errando em todas as suas previsões desde que entendeu que sua Enciclopédia Encarta não iria para frente. Mas isso é outra - e tragicômica- história. Que, aliás, ele repetiu semana passada. (Voz da Deia Freitas): “Êeeeee Bill….”
Volto para o balcão e sua nuvem aromática e inebriante de cola de sapateiro. 1995. Uma pasta vazia. Uma aspiração igualmente oca de quem queria escrever contos parecidos com Rubem Fonseca. Mas tinha que focar em páginas duplas. E folhetos. E classificados de veículos. É para varrer o pátio. Não compre carro amanhã. O gerente está louco. E quem não está?, perguntava com um murmúrio de lábio semi-cerrado.
Esse momento é importante para edição ensaística de hoje porque me peguei refletindo na última semana sobre a noção de passagem do Tempo. Como não temos a mínima noção de como ela se dá. Por que se dá. E se, de fato, se dá.
Na perspectiva da pasta que saiu da Rua da Carioca e hoje jaz literalmente adormecida como um Anunnaki em alguma montanha do Iraque acima do meu guarda-roupa, o tempo são grãos de poeira por fora e mensagens sobre lançamentos de filmes, o turismo na cidade do Rio de Janeiro, doações de sangue e produtos infantis por dentro. Por fora o tempo se deposita em grãos, por dentro, congela-se em certezas propagandísticas.
Descubro em minha incessante curadoria semanal, que fosse eu uma versão humana da pasta, interpretaria a passagem do tempo a partir do meu Córtex Insular, como me contou um **artigo recente da Psychology Today.**
Pesquisadores como Alice Teghil da Universidade Sapienza em Roma têm acumulado conhecimento significativo sobre como o corpo e o cérebro criam nosso senso de tempo. Eles descobriram que as pessoas diferem em sua capacidade de perceber "o que está acontecendo" dentro do corpo, o que afeta sua percepção do tempo.
O artigo conclui que nossa habilidade intrínseca de sentir a passagem do tempo é resultado de sentir nossos estados corporais e, claro, o momento emocional de cada um. Curiosamente, essa mesma área está relacionada - segundo conclusões deste artigo - , às áreas responsáveis pelo controle das emoções.
ERGO… o Tempo e sua passagem são resultado da relação emocional entre o nosso corpo e a nossa consciência.
É metafísico, mas pode chamar de quarta-feira
Mais ou menos como tentei explicar para a Michele Aisenberg em seu novo projeto dedicado a desbravar novas formas de existir e estar no mundo para a turma 50+, o 50pracima, que até 2019, pouco antes da Pandemia, eu tinha por volta de 35 anos. Minha disposição, cabeça, raciocínio, esperança, crença nos futuros negócios…me congelava sem poeira e cheio de recheio criativo em uma pré-maturidade. Ele disse: “Haja juventude”. Olhou para a criação e viu que tudo estava bom.
Pouco menos de quatro anos depois, de ter perdido alguns, muitas coisas e algo de tranquilidade financeira, sinto ter mais de 55. 20 anos em 5. Não me entendam mal: sigo tentando ir para um novo lugar entre a fronteira da minha pele e o mundo. Mas o ritmo é outro.
E isso nem é de todo ruim. Falo menos e escuto mais. Troquei crença por análise. Esperança por dados. Contos do Rubem Fonseca por Fontes Secas de Contador inexperiente. De Doctor DRE para DRE.
Mas, nem é de todo bom. Porque me afasta de certa entropia fundamental para a gênese criativa e a correta interpretação de se estar no mundo. E da manifestação de minha plena consciência e missão na jornada por este planeta: a antena que quer ser auto-falante, registrando os achados da tríplice fronteira entre tecnologia, comunicação e cultura.
E se loto a caixa de e-mails em uma manhã de quarta-feira de minha provável audiência com uma edição mais livre e solta, é porque, no fundo, ainda olho para as gaivotas de asas abertas tentando entender o que mais vem por aí.
É um sempre vir por aí que me leva a não deitar em cima do guarda-roupa, guardando por dentro realidades congeladas e deixando a poeira colar.
A passagem do tempo é o segredo mais bem guardado de cada um.
Biscotinhos para a provável audiência
Adendo: queria terminar a edição desta semana na frase “A passagem do tempo é o segredo mais bem guardado de cada um.", mas trouxe algumas referências interessantes que podem - ou não - ter a ver com a mensagem que quis trazer. Me falem se isso aqui ficou sobrando na edição de hoje?
Pesquisa, liderada por cientistas da França e do Canadá, utilizou a teoria da probabilidade estatística para modelar as redes de neurônios em nove cérebros humanos, incluindo sete pessoas com epilepsia. Os pesquisadores observaram que os estados de maior entropia no cérebro coincidiam com estados de plena consciência. A pesquisa sugere que a consciência pode ser uma "propriedade emergente" de um sistema que está tentando maximizar a troca de informações, semelhante à forma como o universo está se movendo de um estado de baixa entropia para alta entropia desde o Big Bang. Para ler aqui →
Li no The Media Leader discute como os principais players do setor de podcasts estão expandindo suas ofertas para além do formato de áudio. O artigo destaca que o YouTube já é uma plataforma significativa para podcasts visualizados, e a Audioboom prevê que essa tendência continuará a crescer em 2024. A publicidade em podcasts também está evoluindo, com mais de 50% dos ouvintes confiando mais em anúncios endossados pelos apresentadores. Além disso, os criadores de podcasts estão explorando oportunidades em filmes, TV e eventos ao vivo. →
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Caos Climático e Entretenimento estão frente a frente neste artigo do Felipe Bratfisch Santiago para o LinkedIn. Aqui ele focou nos desafios enfrentados por grandes festivais como Lollapalooza Brasil e Rock in Rio. Não é negar, porque está tudo aí para quem quiser se informar, mas ciritco o lutar de privilégio da reflexão que, contudo, vale a pena ser conhecida →
Oi. Já que abriu pra feedback eu achei sim que os biscoitos poderiam ter ficado pra outro momento. Pro formato se permitir fugir um pouco à próprio estrutura e acabar assim, pro alto e pro vazio filosófico.
Mas o final não invalidou o que o precedeu.