De "B" a "J" e a capacidade de revisitar narrativas pessoais
Nos agrupamos para fazer sentido. Fazemos sentido porque somos um grupo
Tento manter a paciência com ferramentas porque sei que servem para expandir a nossa capacidade de comunicação e não limitar nossa movimentação pelos territórios que buscamos firmar presença. Sei disso.
Bebo alguns goles dessa comiseração e abro mais uma vez o Excel que me acompanha desde 2006. Ele foi montado aos poucos, como uma sacola de víveres que carrego - caçador-coletor de identidades - em minha jornada por startups que deram certo ou sumiram ou ficaram caras, ou ficaram tão caras que deram muito certo. Um eterno MVP de minha narrativa pessoal.
Vocês são hoje exatos 1000 nomes. O cérebro humano, segundo Paul Adams no excelente Grouped1, tem capacidade de gerenciar pouco mais de 250 vínculos reais. Pessoas que você sabe o nome, a história, as qualidades. E finge conhecer os riscos e limitações que representam para sua integridade física.
Penso, então que, 1000 nomes em uma lista de e-mails resolvem, em grande parte, o lance da integridade física. Pelo menos da física newtoniana. Sem ação no mundo físico, não se precisa temer a reação.
Abro, exporto para uma versão .txt, começo a agrupar os nomes por ordem alfabética, como disse ontem. Subo como teste todo mundo com a letra A. Tenho a ideia desta sequência de textos preparatórios enquanto consigo importar a base. Sou barrado no 484 integrante. Pouco menos da metade.
Por que, mesmo com toda paciência, ferramentas gratuitas têm o saudável (para elas) e péssimo (para mim) hábito de ter limites de pessoas que conseguem colocar para dentro assim, a seco, sem nem um copo d’água. São gulosas ainda que educadas e polidas. Ah, plataformas e big techs, é com esse charme que vocês estão nos martirizando-matrixizando a todos, né?2
Mando e-mail solicitando a extensão de minha cota. Agora é esperar e nesse tempo, me perguntar:
O que eu aprendi ao lembrar dos nomes de minha lista de assinantes?
Percorro a lista com calma, um a um, tentando limpar a base de repetições, minhas próprias contas de e-mails (gerencio mais de 10, eu sei, preciso de algum tipo de tratamento urgente. “Como curar vício em e-mails”. Pesquisar. ).
Ato contínuo, começo a identificar nomes que já vi no Orkut, no Rec6, no Yahoo Groups, no Blig, no Blogorama, na vida. Sei quem são. Minha memória é como a dos esquecidos só que ao contrário: ela tem vida própria e gosta de ser acionada na exata proporção da inutilidade da lembrança.
Voltando: sei quem são, não, sei o que pretendiam quando trocamos e-mails pela primeira vez. Tentavam escrever posts para viver. Criar modelos de negócio a partir de artigos patrocinados, criarem livros sobre prisões que nos acorrentam a todos enquanto sociedade, sobre a outra, o outro, sobre um Doutorado em Nova Orleans, sobre cursos de marketing digital.
Eram profissionais em início de carreira, hoje, heads de suas coisas do das coisas de outrem.
Enquanto eu, headache. Minha e de muitos dos que me cercam.
Limpo a base. Chego até a letra J. A plataforma solta um espasmo fumegante de suas engrenagens e me avisa, mas uma vez: “hit limit”. Eu leio com um não insista.
Sento na frente de um post em branco como fazíamos em 2003 e lembro dos clãs de 250 pessoas que se conheciam, se perseguiam, se amavam e coletavam juntos frutas, pequenos animais e rascunhos de suas identidades para sobreviver.
De onde saiu essa gente toda?
O livro está disponível neste link
Se fosse você, eu leria o BigTech do Evgene Morozov