Enquanto o Facebook saía do ar, eu assistia a Fundação.
De repente para imaginar nosso futuro recente. Logo ali, depois da pane.
˚Abro três vezes todas as caixas de cabos e apetrechos tecnológicos para tentar encontrar um antigo Fire Stick TV sem uso para conseguir jogar para tela maior da sala e o conforto do sofá, a Apple TV.
Depois de muito tentar, lembro de uma solução mais simples e transmito a aba logada de um Google Chrome para o ChromeCast desta mesma TV e assim, consigo assistir aos três primeiros capítulos de Fundação1, a versão para streaming exclusiva do serviço da Maçã para o clássico de ficção científica de Isaac Asimov.
Ainda que seja cedo para opiniões e resistindo a comparação direta com a obra original (nunca ouviram falar de obras transmidiáticas? Nem sempre o livro precisa ser igual à série. Até porque o livro será sempre melhor2), penso que é o momento de estender o mesmo olhar para o momento atual e de como, emulando aqui o Hari Seldon de cada um de nós, podemos psico-historiografar nosso futuro recente.
E, claro, começa pela pane de segunda-feira
Na segunda-feira (04/10), enquanto o ecossistema de aplicativos do Facebook saía do ar metade de um dia inteiro, muitas piadinhas circularam, como supostos áudios de governantes alegando impossibilidade de atuar em função da ausência de canais para distribuir fake news. Brasil, né, arrobas.
O fato é que, como disse Pedro Dória, é temerário ter na mão de uma única pessoa o poder de comunicação de 1/3 da humanidade. E estranhamente coincidente quando isso acontece um dia antes do depoimento de Frances Haugen3, uma de suas executivas, sobre as antigas políticas desta rede envolvendo discursos de ódio e notícias falsas.
Mas, ainda assim, algumas iniciativas lutam para que o cenário possa ser revisto. O grupo de estudantes do Programa Interunidades em Ensino de Ciências da USP (PIEC), por exemplo, acredita que uma das formas de minar essa dependência e todos os seus malefícios, é aproximar a ciência das pessoas e, para isso, criaram a revista Balbúrdia.4
O fato é que iniciativas como essas existem, mas circulam pouco. Como nos lembra o professor e bibliófilo Dante Donatelli, que conseguiu medir o tamanho da ignorância no Brasil: 6102. (
Fosse ele um/uma Gaal Dornick tupiniquim contaria até 6101 para se acalmar, mas isso é outra história).
Seis mil cento e dois é a quantidade de bibliotecas públicas existentes em todos os municípios do país. Spoiler: é muito pouco. Neste artigo ele analisa melhor a questão. Aqui cabe lembrar à provável audiência: baixos índices educacionais e a estreiteza do pensamento crítico não são falhas de uma Matrix nacional. É o projeto original.
Conquistar o direito a ter opinião pode até ser uma vitória política. Mas o seu cultivo é, por natureza, mais alinhado à educação contínua e formadora. Sendo este mesmo direito, objeto de análise contínua.
Como no caso de Jean Pierre Chauvin, que é professor de Comunicação na ECA-USP. Ele nos propõe uma crítica sobre o porquê somos prolixos na academia. Se os estudantes do PIEC citados logo acima buscam fazer circular, Chauvin tenta nos provar porque atravancamos, de dentro de seu pólo gerador, a vida útil deste conhecimento. Mais do que isso: nos dá pistas de como evitar esse vício.
E sobre, mesmo tendo voz, não gostar do que se ouve, passei os olhos por um artigo recente dos psicólogos Phil Holzemann e Clyde Rousey. Segundo a dupla, talvez a gente não curta o som de nossa própria voz gravada porque ele revela traços de nossa personalidade que nos incomodam e nos esforçamos para esconder.
Esconder, por outro lado, parece ter sido a saída para o pessoal da Synieverse, empresa que basicamente torna possível a troca de SMSs em operadoras como AT&T, T-Mobile, Verizon, Vodafone e China Mobile. Declaram essa semana terem encontrado uma brecha em seus sistemas uma falha que deixa vulnerável a segurança e conteúdo dessas mensagens. Que, a propósito, compõe algo como 740 bilhões de “oi sumida” por ano.
O que afinal não conseguimos perceber dos movimentos desta semana?
Esta é a real questão que pretendo propor à provável audiência. Estamos empanturrados de informação, até mesmo quando o assunto é a falência momentânea de um de seus principais canais de circulação. Mas, o que deixamos passar? O que não nos é permitido ver? Que motivos não conseguimos mapear naquilo que está bem em frente aos nossos narizes?
Sem resposta por enquanto, claro. Mas, deixo a título de ilustração este trecho de uma das falas mais inspiradas de Carl Sagan - já que começamos emulando ficção científica no e-mail de hoje e passamos por notas de divulgação científica. É a explicação da quarta dimensão feita a partir das estreiteza do olhar. Reparem como é prefeito e assustadoramente acessível o seu argumento:
Se você não clicou por qualquer motivo técnico, aí vai um resumo: neste experimento mental, Sagan propõe um dilema. Se você vivesse em um mundo onde só houvessem duas dimensões (aqui didaticamente postas como comprimento e largura), a visita de um ser de um mundo onde existissem três (a altura) seria percebida apenas como se fossem duas - ou seja - um recorte, um segmento da realidade.
Assim, uma esfera seria entendia como um círculo chapado. O que nos leva a concluir que a possível comunicação entre as duas entidades seria, portanto, limitada.
Me parece que o momento que vivemos ontem, aqueles que nos esperam daqui pra frente até o janeiro de 2023 (que é uma grande incógnita para os observadores internacionais) somos nós olhando para o mundo 2D e tachando tudo ao redor de limitado. Pois, afinal, somos 3D, né?
Enquanto isso ignoramos um fato absoluto e irrefutável: existe a quarta dimensão. Mas, a ela, também temos um acesso igualmente limitado.
Essa edição belamente retrô da Editora Aleph é incrível e está em minha estante
Para conhecer o básico do básico sobre teoria de Transmídia, leia este livro do Jenkins
Aqui cobertura ao vivo de seu depoimento, feita pelo NYTime