Acordo cedo por vários motivos. Mas é o que eu faço entre esse momento e todos os outros, por vender minhas horas em troca de sustento não são meus, que contam de forma tão real quanto a aguda pontada de quando se pisa em um prego em meio a uma caminhada por terreno desconhecido. Antitetânica em dia, fiquem tranquilos.
Aviso que não é sobre a longa e laboriosa jornada de um dia de trabalho que falo hoje, mas destes momentos límbicos, moradores de horas mais frescas que funcionam como nitrogênio líquido para um foguete de esperança em um dia melhor. Assim, entre oito e nove da manhã só me permito uma coisa: habitar a minha essência.
Sinalizo de antemão para a provável audiência que é menos determinista do que parece: essa essência está espalhada por várias formas de existir que, se pudessem resumir, seriam aquelas na qual a expressão máxima daquilo que chamaríamos de individualidade se manifesta. Tá bem, resumindo: é um gostar de se estar consigo mesmo.
Estar aqui de frente para uma tela de Notion em branco, é um deles. Até que garimpo novidades, links, leituras e demais [Read]s, [Rec]s e [Play]s para listar aqui e ali, mas a tela em branco é ainda o momento para o qual me preparo, ainda que me enganando que isso de me preparar mentalmente para escrever não existe.
Carpinteirar palavras, trocá-las, reduzir, pensar imagens mentais que possam dar pequenos sustos no cérebro de quem lê, como um pisão em falso considerando chão o que ainda é degrau de descida em uma lotada estação de metrô. Aliás, se você estiver em uma enquanto me lê, manda um olá nos comentários. ;) Próxima estação, lista de leituras. Cuidado com o vão entre o tempo e a vontade de ler mais e mais.
Vencer o constrangimento e me conectar com a sempre crescente fila de leituras também é viver em essência. Lembrei aqui enquanto terminava a frase anterior que já tentei de tudo para que ela andasse: listas, datas, barras de progresso, sistemas de leitura acelerada e mais planilhas do que um contador Vogon ao preparar o relatório sobre a destruição iminente do planeta que está na rota de uma rodovia. E se tem uma coisa que esse momento de vida me ensinou é que a função dela não é diminuir. É crescer. É formar a possibilidade de repertório.
Em uma imagem emprestada: sou eu com a água pelos joelhos no planeta das ondas que orbita o Gargantua, em Intereslellar. Cada segundo são sete dias na Terra e ao longe, não são montanhas, corra. A lista são as montanhas, a fronteira (mais uma vez, ela) entre o fascínio pelo conhecimento e a impossibilidade de consumi-lo na totalidade sem ser devastado, afogado, moído. E assim mesmo querer. Corra. Aproveite que são ondas e não montanhas é o que penso.
Me conectar com narrativas em áudio enquanto dirijo pelas ruas do Rio de Janeiro em minha devotada prova de amor pelo progresso acadêmico dos filhos, é outra. Aliás, melhor combinação: se tenho compromissos que me fazem sair do home-office e encarar o trânsito, que seja aproveitando o tempo.
E confesso que ando meio cansado do formato porque traz pouca novidade. O que por outro lado é bom: valoriza as boas surpresas que, spoiler, moram hoje na qualidade das histórias que se conta e não o ineditismo (vamos pular a parte que eu dou uma gargalhada da turma descobrindo podcast em 2016). Cabe a quem produz surpreender. Nota especial para França e o Labirinto, no qual não apostei e me surpreendeu.
Ainda assim, vale dar uma conferida nesse sofá-cast promovido pelos pais fundadores da Podosfera brasileira com Selton Mello e os roteiristas Fábio Yabu e Leo Caldela.
Entre oito e nove , por fim, me permito habitar a minha essência. Não como quem sabe que é o único lugar possível, mas que é um lugar necessário. A partir deste momento, visto capa, abasteço meu saco de viagem com Lembas frescas, verifico se os pés estão peludos o suficiente para aguentar a travessia de mais um dia, finalizo a nota no diário e parto em buscas.
Não é sobre o quê. É sobre o sempre.
[READ] → Caiu na minha caixa de e-mails, mas poderia estar na sua: Uma Palavra
Na verdade é só para manter certa conexão semiótica com o termo “newsletter” porque eu leio tudo pelo aplicativo do Substack que, aliás, recomendo.
Mas o fato é que a Aline Valek nos trouxe essa interessante reflexão sobre o formato das newsletters em si. É um post para assinantes. Mas a news da Aline, a Uma Palavra, conta com posts abertos também que registram seu processo criativo.
Biscoitinhos para a minha provável audiência que a partir de hoje vai viver a sua essência um dia de cada vez
O NYTimes (sim, sou assinante, custa só 25 reais por mês, vale a pena) se pergunta: o que fazer com tantos escritórios vazios no pós-pandemia? São 30 milhões de metros quadrados sem uso. As fotos impressionam →
E uma recente lei de direitos parentais em Iowa, EUA, que determina que bibliotecas escolares só podem conter livros "apropriados para a idade", sem qualquer "descrição ou representação visual de um ato sexual"? A lei também responsabiliza individualmente professores e bibliotecários escolares por violações. Resultado: muitos clássicos vão desaparecer das prateleiras →
Lancei mais dois episódios de podcasts como produtor e host. O BioParque vai nos ajudar a entender como exercitar a observação da natureza no lugar da predação e o Aquário Marinho do Rio a explicar para quem nunca ouviu falar, sobre Método Científico →
Viralizou na rede onde todo mundo mostra seu currículo, um post do Léo Xavier, founder da Môre, sobre o quão dilatados estão os prazos de pagamentos para quem empreende na indústria criativa. Quem já subiu pedido de compra no SAP e Aribas da vida, sabe bem… tem cliente pagando depois de 180 dias do serviço prestado →
Fechando com esse livrinho maravilhoso que chegou aqui no domingo antes de lançar essa edição e já estou devorando, nas mais pura e deliciosa contradição sobre meu comentário acerca das listas de leitura que acabei de fazer. Um trechinho:
Ao longo desses anos trabalhando em oficinas de escrita, fui me dando conta de que escrever ficção não tem regras: é possível cometer "erros" gramaticais, usar quantas vozes narrativas o autor quiser, misturar tempos verbais, criar personagens contraditórios, escrever histórias sem trama definida, sem clímax, sem tempo nem espaço definidos. Tudo é possível, desde que o autor saiba por que o está fazendo e banque as consequências.
em “Escrita em movimento", de Noemi Jaffe. Companhia das Letras, 2023.