Faria Limers precisam entender algumas coisas
Nesta edição: sobre a matéria da Folha de SP, Succession e novas plataformas de I.A.
(antes de começar, lembrando que temos um servidor no Discord e um grupo no Telegram e até um Canal no Instagram para seguirmos conversando durante a semana. Passem por lá!)
Começo a edição desta semana comentando a matéria que circulou na edição de segunda-feira (24/04) na Folha de São Paulo: “Os escravos de luxo da Faria Lima”. O tema: a precarização extrema que profissionais de publicidade de regiões badaladas da capital paulista enfrentam. Força guerreirinhos!
Sua autora postula que viveu durante muitos anos circulando (e “trampando”) por ambientes extremamente tóxicos, onde os funcionários trabalham por longas jornadas, muitas vezes sem hora extra, sendo constantemente submetidos a condições degradantes.
Ela nos lembra toda a injustiça de prazos apertados e cobranças descabidas de clientes que pagam alguns milhões à agências que, por sua vez, não oferecem condições de trabalho adequadas. Além disso, lembra a moça, existe a produção de campanhas fantasmas nas quais o trabalho gratuito de diretores de cinema, fotógrafos, editores, produtores de áudio, músicos e locutores, não tem garantia de trabalho remunerado no futuro. Que parece a Deus não mais pertencer.
Complementa ainda que as grandes marcas que patrocinam essas campanhas fecham os olhos para a exploração e o abuso de trabalhadores, muitas vezes envolvendo produção de outros tipos de mão de obra. Isso enquanto fazem seus “washes” de sempre.
E chega ao terço final de seu artigo trazendo revelações bombásticas (”eu quero ibagens”, diria o gaiato): colegas desenvolverem problemas de saúde como herpes, cândida, transtorno alimentar, ansiedade, bipolaridade, síndrome do pânico, psoríase, alcoolismo e tricotilomania.
E é aqui que eu paro, respiro fundo e prometo seguir adiante somente depois de dois alertas.
Primeiro alerta: eu tenho lugar de fala nesse cenário aí. Fui demitido - há muitos e muitos anos - no dia do meu aniversário porque, vejam só vocês que absurdo, ousei sair às 20h uma vez que minha família estava me esperando em casa e não topei a virada de “vai ter pizza depois”, para alguma entrega absolutamente irrisória da qual nem me lembro mais. E, sim, existe todo esse cenário de exploração. Estava lá, vivi isso.
Segundo alerta: o tom do texto e seus exemplos escondem - muito em função dos seus parágrafos finais sobre os quais falarei já,já - um viés absurdo que chamarei de “viés de privilégio imaginado”.
Hmm…aqui o texto assume um tom muito mais interessante. Por que ele fala do momento presente de precarização de TODAS as atividades profissionais, a irrelevância de algumas atividades frente ao exponencial crescimento de novas formas de produção criativa e, mais alarmante do que tudo, uma completa falta de empatia com a realidade de seu país.
Calma, eu vou explicar.
O viés do privilégio imaginado ou o “eu não sabia que isso acontecia, gente”
Quando propõe analisar a precarização do mercado de publicidade, a autora do texto nos traz o trecho que, para mim, resume toda a estrutura social do seu momento. É mais ou menos assim:
Na casa de cada escravo de luxo, há outro sem luxo e, na casa desse, muitas vezes uma menina deixando de estudar para cuidar dos irmãos mais novos. Se nem quem dirige um Renegade tem coragem de abrir a boca, como esperar isso da ponta mais frágil?
São tantos marcadores sociais usados de forma míope que eu nem sei por onde começar. Tá, vou começar pulando a parte que escravo não se aplica a seu caso e que assumir que tem um escravo em casa é ainda mais preocupante, blz? Vai que é só uma metáfora infeliz.
Pulando essa parte, a gente chega no entendimento do conceito de trabalho precarizado. Pelo menos aqui a gente tem alguma discussão menos preocupante.
O conceito "trabalho precarizado" se refere a uma condição de trabalho caracterizada pela falta de estabilidade, segurança e benefícios que, em muitos casos, acompanham o emprego formal. Essa condição afeta trabalhadores em diversas áreas, incluindo publicidade, como nossa autora parece não visualizar.
Não estou sozinho ao interpretar esse artigo desta forma. Autores como Guy Standing e David Graeber têm abordado o tema do trabalho precário em seus escritos recentes. Standing, em seu livro "O Precariado: A Nova Classe Perigosa", descreve essa nova classe de trabalhadores que não têm empregos seguros ou estabilidade financeira. Graeber, em seu livro "Bullshit Jobs: A Theory", argumenta que muitos trabalhos modernos são essencialmente inúteis e não contribuem para a sociedade, mas são mantidos por razões políticas e econômicas.
O trabalho precarizado pode levar a condições de trabalho degradantes, exploração e abuso. Os trabalhadores muitas vezes são submetidos a longas horas de trabalho, sem hora extra, e a prazos apertados que podem afetar sua saúde física e mental.
Além disso, muitos trabalhadores precários não têm acesso a benefícios como seguro saúde, férias remuneradas e aposentadoria, o que pode afetar sua segurança financeira a longo prazo. Como, em alguns casos, os empregados domésticos, no texto rebatizados de “escravos sem luxo”. Chega a me arrepiar pensar nessa comparação.
É um contexto, não uma exceção
É importante reconhecer que o trabalho precarizado afeta muitos trabalhadores em todo o mundo, em todas as camadas sociais, em todas as atividades. Mais do que isso, ele parece ser a perfeita tradução do nosso momento em alguns segmentos nos quais pessoas de todas as idades - desassistidas por estruturas que antes proviam educação, saúde e proteção - trabalham para gerar dados para plataformas que - teoricamente - os teria elevado à categoria de “empreendedores de si mesmos”.
Quando ocorre, como a autora da matéria da Folha, nos surpreendemos ( ou ainda, vá lá, panfletarmos como a grande descoberta sobre a agenda Iluminatti do século) com a precarização em um local “de luxo ", de “gente de bem", cometemos o tal "viés do privilégio imaginado”.
(Cometemos também toda a sorte de impropérios e falta de empatia. Mas, principalmente, nos negamos a entender o momento presente.)
(segundo parêntesis: vale dar uma lida neste post do :
fecha parêntesis)
O “corre” nas agências já existia antes disso, não me entendam mal. O meu exemplo pessoal mesmo se deu em algum lugar de 1998. É, há muito anos.
Atualmente, no cenário macroeconômico e estrutural, podemos observar uma redefinição significativa das atividades profissionais, dos negócios, das formas de remuneração e do tempo de dedicação. Essas mudanças estruturais ocorrem independentemente de classes ou barreiras sociais e têm um impacto profundo na maneira como construímos nossas realidades.
Tais mudanças estão sendo impulsionadas por diversos fatores, como o avanço tecnológico, a globalização e a mudança de hábitos de consumo. Cada vez mais, as empresas estão buscando se adaptar às novas tendências do mercado, explorando novas formas de negócios e oportunidades de crescimento. Não crescem em fatia de mercado, área especial ou capital intelectual: crescem para cima dos dados.
Para concluir, porque a vida segue: quando leio e releio a matéria que está circulando, sinto-a desconectada deste contexto maior e tão relevante para o entendimento de nosso tempo. E, no melhor clima de “é preciso conhecer os erros do passado para não repeti-los no futuro”, proponho esse pensamento acima.
Sair de casa com menos do que isso, é miopia de Faria Limer.
E por falar em contexto
Não ia deixar vocês assim só com 1000 e poucas palavras sobre assunto tão relevante. Daí, separei alguns links especiais.
Ou então, ler o "O privilégio da servidão" de Ricardo Antunes
Quem sabe, "A Classe Média no Espelho" de Jessé Souza ?
E para concluir, o clássico que já nasceu novo: Princípios para a ordem mundial em transformação: Por que as nações prosperam e fracassam, do Ray Dalio.
[PLAY]: FUCK-OFF
Como já falei um monte na abertura, vou só deixar uma cena fundamental, nessa que tem se mostrado a série fundamental deste segundo trimestre, Succession, claro. Mas antes, algo que você deveria ter percebido:
Não existe cena sobrando
Cada cena funciona sozinha para explicar o contexto daquele episódio.
Temos uma última temporada, uma season finale, criada para viver entre recortes para as redes
Pensa nisso.
Caiu na minha caixa postal, mas poderia ser a sua…
Indico esta semana a
que nos convida para seus pensamentos a partir de um manifesto na forma de nome de newsletter: “Queria ser grande mais desisti” é, ao contrário do que possa parecer, não capitulação, mas atestado de independência absoluta. Leia a #224.Biscoitinhos para a provável audiência que mora também na tríplice fronteira entre tecnologia, comunicação e cultura…
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