Jeff Bezos vai ao espaço mas você já viu isso antes
Foi Ridley Scott que antecipou a situação em Prometheus. Hoje, queria explicar o porquê disso
Leio em uma das 10 contas de e-mail que administro que 20 de julho de 2021 marca o último dia de Jeff Bezos como CEO da Amazon. O homem mais rico do mundo vai agora se dedicar a Blue Origin, sua empresa aeroespacial. Aliás, ele embarca no mesmo dia para sua primeira viagem, a bordo do New Shepard. Mas você já viu isso antes, tá lembrado?
Em Prometheus (Ridley Scott, 2012), o magnata Peter Weyland banca pesquisas ao redor do mundo para provar sua teoria de que “fomos criados por uma raça superior, alienígena e de tecnologia avançadíssima”, sendo ele mesmo um passageiro clandestino na própria missão que patrocinou.
A cena do encontro entre criatura e criador tem seu quê de constrangimento. Ainda que Guy Pearce empreste algum brilho em sua interpretação, tomar um chega pra lá de um bebê gigante de 3 metros de altura quando se tem 120 anos não é a coisa mais simpática de se ver.
Mas por que esse e-mail relaciona Jeff Bezos e Peter Weyland?
Porque esse movimento no qual obras de ficção-científica pautam a realidade já foi mapeado por alguns estudiosos das Ciências do Imaginário. É um conceito pouco difundido mas acredito que você, enquanto provável audiência da newsletter do projeto mauroamaral.com, ganha pontos ao conhecer.
Seu nome é “hiperstição”. É um conceito que tomou forma a partir do trabalho do pessoal do Cybernetic Cultures Research Unit (CCRU) 1e que chegou por aqui em minhas referências a partir do curso “Introdução às ciências do Imaginário”, no PPGCOM da UERJ pelo professor e pesquisador Erick Felinto. Nas palavras dele, neste artigo2:
Fundamentalmente, uma hiperstiçao é uma ficção que, no contexto das tecnologias digitais, torna-se efetiva no plano da realidade…
Mais na frente, Felinto segue explicando que “existe uma arte da ficção que permite a forças do imaginário cristalizar-se em realidade.” em algo como uma “engenharia da manifestação”, ou seja, uma forma de produzir futuros.
O exemplo depois de Ridley Scott (com larga produção no campo da ficção científica) é o de William Gibson3 que com a criação de seu ciberespaço teve ele mesmo papel fundamental em moldar e gerar “impacto suficiente para moldar visões de mundo e projetos de devires.” O artigo segue contextualizando o conceito no recorte que pretende ilustrar: o da capacidade o "pensamento” de Olavo de Carvalho em plasmar um neoconervadorismo e um desenho de futuro. Leitura espinhosa, como disse.
Relembro que para efeito de explorar a tríplice fronteira de nossa newsletter (Tecnologia, Comunicaç˜ão e Cultura), cabe lembrar apenas que a lista é tudo, menos pequena.
Júlio Verne já falava de redes telemáticas que interligariam todo o mundo, Arthur Clark tem vídeos na internet descrevendo um home-office do século XXI, estando ele nos anos 60 do século XX e por aí vai. Entre os brasileiros, Machado de Assis é um cronista carioca atemporal que, se fala quase nada sobre tecnologia, abordou na loucura normalizada - ou inventada - da casa vede de O Alienista4, uma foto deslocada do tempo-espaço de nosso Brasil pós-2018.
Penso então quer ler que Jeff Bezos vai ao espaço - descontando aqui o valor estratosférico que esse seguro deve ter - , é comprovar o quão estamos imersos neste mundo hiperstisioso. Que nos prega peças antes de criá-las de fato na realidade, que plasma acontecimentos em nossa cabeça e nós, demiurgos de nós mesmos, os fazemos brotar bem na nossa frente.
O que me leva a questão/provocação ao final do e-mail de hoje: que futuro você está, a partir de sua relação com a tecnologia, criando para os próximos meses? Anos? Segundos?
A ver.
Sobre o CCRU: é um coletivo de estudiosos que atuou na Inglateerra no final dos anos 90 e posteriormente como grupos de estudo independente até 2003. É de lá que vem outra teoria controversa, o Aceleracionismo.
Artigo em questão é um tema espinhoso: Olavo tem Razão”: Olavo de Carvalho, Esoterismo e os Mitos Conspiratórios do Imaginário Político Neoconservador. Disponível neste link.
A coleção completa das obras de Willian Gison disponível na Amazon. Por que sou irônico.
Caso não conheça, o conto O Alienista está em domínio público.