NPC: um dia você ainda vai ser um
Por que fingir surpresa sobre a onda das NPC Lives nos traz uma importante mensagem sobre como estamos vivendo as nossas vidas?
Eu juro que estava com uma edição quase fechada, mas derrubei como quem desiste de jogar Jenga em uma tarde de verão na praia porque ouviu um luau ao longe e foi descobrir onde era.
Mas, derrubei também porque o feriadão de final de semana, além da reta final da primeira edição do The Town e o vídeo do Bruninho Márcio agradecendo ao Brasil (depois de esporro porque só agradeceu ao Chile, mas tudo bem), tivemos um perfeito exemplo de “fato social” que justifica o propósito desta newsletter, qual seja, morar a tríplice fronteira ente tecnologia, comunicação e cultura.
Sim, vou falar sobre as NPCs Lives do Tiktok. Mas não vou pelo caminho tradicional, porque, né? Preguiça de repetir o que todo mundo já falou. No lugar, vou trazer uma indagação direta e reta, mas que vou desdobrar em certo esclarecimento:
Por que a surpresa, pessoal?
Pode parecer uma pergunta vazia, mas vou detalhar sobre ela logo abaixo e no tamanho que os administradores do Substack permitam.
Só pra você saber, a medida que gente se empolga, o sisteminha avisa que estamos muito verborrágicos. Não bloqueia, mas regula. É um tiro no peito do ego, mas com isso aprendemos a ser concisos.
Vamos lá, então.
A hipótese da submissão final
Para tirar logo da sala a questão: é apenas um pensamento livre e hipotético que sequer foi submetido a qualquer metodologia mais apurada. Tá bem? Tá bem.
Eu curto muito um pequeno artigo que produzi em uma das disciplinas do Mestrado chamado “as três submissões do Podcast”, no qual eu apresento uma espécie de arqueologia do formato, acompanhado-o por toda a sua evolução desde a alteração no código de XML que deu origem ao protocolo de transmissão de áudio até o momento atual, que podemos convencionar chamar de “plataformizado”.
A ideia que pretendia fundamentar então era que aquilo que antes poderia ser entendido como um ambiente livre, quase revolucionário, foi aos poucos se submetendo à várias realidades: a tecnológica, a comercial e, por fim, à lógica dos algoritmos.
Nesta jornada, foi perdendo tração e substituindo sua liberdade criativa e estética por obrigatoriedade, ou várias delas, que recaíram sobre a padronização de formato e das personas que atuam como produtoras de narrativas em áudio.
Resumindo a partir de um exemplo: isso explicaria porque para a galera pós-2016 podcast é igual a mesacast com clima de hamburgueria, neon, braços articulados, microfones Shure de 5 mil reais cada e tela de LCD em lives de 4 horas. O capitalismo tardio quer se alimentar de dados, cria plataformas, que fagocitam formatos para gerarem dados. E é isso.
Você pode ouvir a versão em áudio do artigo neste post do meu site pessoal, mas só depois de terminar comigo esse rápido Penso, tá bem?
Então, tá, obrigado. Essa abertura foi importante porque ela se conecta com a maneira como as NPCs Lives me afetaram durante o final de semana. Foi, inclusive, ma minha opinião o que o Felca quis demonstrar com o seu exposed.
E como é esse afeto tão profundo? Quando meu “ForYou” começou a ser invadido com bonecas humanas gemendo ao receberem rosas, e logo depois, versões mais e mais toscas a cada momento e, ato contínuo, a TikToks cobrando explicações e demonstrando assombro, percebi ali uma gradação curiosa.
Essa gradação é o ponto que quero trazer aqui. A surpresa e certa miopia sobre o que representa essa trend é esperada.
Por que, sob certo aspecto, sobretudo após a emergência de algoritmos mais ágeis, sim, somos todos NPCs.
As NPCs Lives podem não fechar a questão, mas trazem um sintoma essencial. Ponta de um iceberg que nos coloca esse disclaimer com cara de apocalipse: somos, já e há muito, todos NPC.
As NPCs Lives nos deveriam assustar por evidenciar esse estado de coisas em atributos fundamentais que nos colocam frente a frente com a realidade instalada do parágrafo anterior.
Desta forma, seria correto afirmar que somos NPCs quando nos incomodamos com a repetição de movimentos e reação padronizada a estímulos que reforçam o ciclo de Dopamina, por que é assim que curtimos os posts nas rede sociais.
Assim como somos NPCs quando deixamos a trend invadir os espaços dentro de nossos perfis e timelines e mais ainda quando reproduzimos isso de forma deliciosamente antropofágica, porque ouvimos falar que tem gente ganhando 20K com este tipo de conteúdo e por isso temos que fazer também. Por que fazemos isso ao criar eBooks para vender eBooks, canais de YouTube sobre ganhar assinantes no Youtube, uma imensa prisão metalinguística.
Somos NPCs , até mesmo quando nos surpreendemos com o sucesso da tendência, fingindo esquecer que a fila de novas ondas é quase infinita e incansável e semana que vem teremos outra. (Existe a cena do Live Commerce em telas gigantes, a gastronomia exótica de mocinhas japonesas, exumações e muitas, muitas outras).
Fingir a surpresa é cegar os olhos do entendimento para aquilo que está diante de quem busca entender o ethos digital. Somos NPCs pois continuamente nos exibimos viciados em saber “como fazer coisas" sem parar para entender os “porquês de as coisas serem/estarem assim.”
Daqui da minha nada confortável fronteira - qualquer dia explico como é arriscado morar aqui - , as Lives de NPC não chegaram para ficar, mas chegaram para nos contar isso: pode ter chegado a hora da submissão final.
A não ser que…a gente invista em ambientes de contato direto entre criadores de conteúdo e suas audiências.
Mas isso, é outra história.
Um único biscoitinho para a provável audiência que pode ser tudo, menos NPC
Li no blog do Nieman Lab que ele está expandindo e abrindo duas novas posições em tempo integral para o que eles acreditam ser as áreas mais interessantes no jornalismo atualmente: notícias locais e inteligência artificial generativa.
A segunda vaga foi a que mais chamou atenção. Seu papel é cobrir a interseção do jornalismo com a inteligência artificial generativa, algo que é visto como uma área importante e em crescimento no jornalismo. O salário para esta posição é um pouco mais alto do que a vaga tradicional, variando de $72.000 a $76.000. (lembrando que por lá eles anunciam o salário anual). Você pode conferir os detalhes aqui →
Excelente texto
Acredito muito nisso aqui mesmo. Ainda explorando formatos. “A não ser que…a gente invista em ambientes de contato direto entre criadores de conteúdo e suas audiências.”