O melhor livro que ainda não li na vida é o próximo
Aquele em que vou contar sobre novos livros, um documentário imperdível e a dificuldade de seguir gravando sem equipe de produção
Aí está: o desafio de iniciar uma jornada semanal com vocês, sempre às quartas-feiras, cumprindo sua primeira entrega. Desafiador? Até que nem. Gostosinho de fazer? Queria viver disso, na realidade.
Mas o fato é que lidei com essa entrega de forma orgânica e, sem mais nem porquê, o tema flutuou, como um destroço de naufrágio valioso que aparece em ilha quase deserta sendo você o único habitante. Essa forma “vai fazendo e vê no que dá”, me levou para um território curioso: os desafios da coexistência entre o streaming e o culto ao colecionismo.
Se por um lado, a um clique do Kindle, você pode ler as obras que pesariam muito nas mãos e no bolso, por outro, toda a cultura dos livreiros e colecionadores foi tomada de assalto (sem mencionar aqui as pequenas livrarias/sebos locais) e, acostumada a lidar com o passado, se viu pretérita e esquecida.
Se serviços de streaming conectaram bases de fãs a obras de difícil acesso, a sua proliferação faz, no alto valor do tiquet final, um dificultador de acesso para que a base geral de assinantes cresça, ameaçando a própria longevidade da solução (especulo aqui, sem provas ainda).
Percebo a força deste alinhamento involuntário ao reunir em uma mesma edição desta newsletter (que por si só vive para desafiar a tríplice fronteira entre tecnologia, comunicação e cultura), um livro sobre sistemas disruptivos de comércio de música, um documentário em um serviço de streming de nicho sobre a cultura dos livreiros de N.Y e a dificuldade de seguir produzindo conteúdo independente.
Isso me faz pensar. E, vivendo de refazer todos os dias a conexão direta entre o fluxo da minha consciência e os ouvidos da sua, convido para dividir essas abordagens iniciais sobre o tema.
A ver. Venham.
Sinalizo boas leituras (ou nem tão boas, mas vá lá) para que a provável audiência siga trafegando entre o curto espaço que se espreme entre esta quarta-feira e o final de semana de forma menos frenética do que nos fazem acreditar ser necessária.
Notam-se aqui e ali diferentes ritmos e profundidades, ainda pouca clareza sobre um tema que os conecte mas a esperança de alguns comentários ao final nos ajudem a levantar as reflexões que merecemos, como poucos e bons que somos.
Em recente artigo para a revista Rascunho, a amiga Carolina Vigna nos lembra sobre a importância de conjugar arte e catarse, ainda que esquecendo das mazelas mais aparentes do Brasil pós-ele-mesmo de 2021.
Resistindo bravamente ao bom senso que me indica ser obra de baixo valor literário, fadada ao escaninho de pseudo-qualquer-coisa, não resisti em adquirir um exemplar do livro “O despertar dos mágicos" (Pauweils e Bergier), obra que meio que originou o History Channel e seus desdobramentos falaciosos envolvendo Aliens, teorias mil e civilizações antigas que muito mais sabiam do que as atuais. Ninguém é perfeito, mesmo que já tenha dominado a eletricidade e o voo não natural há 50 mil anos.
Pelo Kindle (sobre ele, ou antes a realidade que engendrou graças ao modelo de negócio que representa, atenção a indicação de documentário lá embaixo), uma obra que segue preenchendo a última hora antes do sono. Falo do terceiro livro da trilogia da Floresta Sombria do Cixin Liu, O fim da Morte, que insiste em não me deixar passar de suas primeiras páginas. Muita praga Trissolariana já rolou entre terra e espaço sideral e hoje, depois da mal fadada invasão alienígena que tememos durante 400 anos, o futuro é incerto.
Ainda sob os domínios de Bezos, a novidade fica por conta do “A destruição criadora da indústria fonográfica brasileira”, de Leonardo De Marchi, não por acaso meu orientador no Mestrado do PPGCOM da UERJ e uma pessoa boníssima e vice-versa. Leo já havia comentado o livro em alguns de seus cursos mas, na reta preparatória para aprofundar na pesquisa, abri espaço na agenda para dar à obra a leitura atenta que merece.
Por falar em peripécias com o áudio, nesta vida de host de podcast que tenho descrito em meu site pessoal - que aliás, deu origem a esta newsletter - , na página de serviço da produtora e até mesmo na edição extra que marcou a volta desta comunicação aqui a um ritmo semanal; uma coisa já aprendi: sem frente, nada vai pra frente.
E para você que está chegando agora, o conceito de frente: qualquer produto audiovisual que tenha um mínimo de serialidade em seu conceito, precisa gerar um acervo de programas/entregas prontas para que cumpra seu ritmo e se resguarde de contratempos.
Invocando um Heráclito de almanaque aqui, a única coisa constante no mundo dos podcasts são os contratempos. :) É agenda que não bate, é vida prática que exige atenção, é família que demanda, inspira e precisa de carinho e quando você vê, já era: consumiu todas as gravações que fez e periga de seu programa não ir ao ar na periodicidade combinada.
Parêntesis: quando passeiam pelas palestras e eventos - agora todos virtuais - as cabeças pensantes do Spotify nos lembram que para um programa atingir o seu potencial precisa de pelo menos seis meses de publicação RITMADA para que o algoritmo do aplicativo comece a aprender com o conteúdo e começar a fazê-lo chegar a mais pessoas. Pode ser balela deste Leviatã comedor de dados, mas vai que…
Enfim, todo esse preâmbulo está aqui para nos lembrar que para além dos roteiristas, editores e hosts (check para as três atividades caso queira me contratar), uma das ocupações mais importantes HOJE no mundo da produção de podcasts é… o profissional de produção.
Cabe a ele fazer as agendas sincronizarem, ou antes, otimizar os encontros e sessões de estúdio (mesmo que virtuais), fazer roteiros chegarem a todos e, com o programa no ar, circular por convidados e suas bases o resultado final.
Com 1,5M de programas disponíveis, marcas querendo trabalhos cada vez mais profissionais e os ouvidos da audiência brasileira a cada dia mais treinados, alguma dúvida de quem uma pessoa produtora vale ouro?
Aliás, se você se encaixa nesse perfil, me deixe saber!
Em se tratando de serviços de streaming e podcasts, temos novas opções em qualquer canto do planeta, toda semana. Sobre o primeiro, tem até gente mapeando o quanto de gasto um entusiasta do formato terá, caso decida assinar os principais disponíveis no mercado1. Só para sua ilustração, caso opte pelos planos mensais, você teria que reservar algo próximo de R$ 338, em valores de agosto de 2021.
Olha aí a fábula do neoliberalismo pós-capitalista nos pegando mais uma vez, não é mesmo? Você pisca e ele inventa uma forma de ser disruptivo, descolado, sintonizado, cheio de propósito e… mais caro e recorrente. Mas isso é papo para outro e-mail.
Por agora, é hora de indicar o excelente documentário “The Booksellers” (D.W. Young, 2019). A hora e meia de entrevistas com livreiros, colecionadores e antiquários de Nova York foi a descoberta de um fim de tarde de domingo preguiçoso como os gatos que dormem por cima de obras raras nas infinitas prateleiras dos locais retratados.
É um panorama curioso da decadência destes estabelecimentos frente à chegada da internet, as mudanças em um negócio centenário (em algum momento um dos entrevistados cita que os primeiros leilões de livros raros se deram na Inglaterra em 1600!) e a ressignificação de seus propósitos enquanto negócio e formador de culturas e/ou subculturas.
Lembro que se fosse para sinalizar algum incômodo seria uma carência de linha narrativa um pouco mais precisa. Digo isso porque as entrevistas que se sucedem apresentam em ordem mais ou menos clara os espaços, os personagens, suas jornadas e desafios, mas nos deixa com novelo na mão e um labirinto de referências à frente como que nos perguntasse: és Teseu ou Ariadne, meu nobre?2
Talvez tenha sido esse o objetivo desde o início. Deixo para a provável audiência descobrir.
Em nossa jornada de hoje, procurei arranhar a superíficie de uma bolha curiosa: a que faz coexistir no mundo de 2021 uma avalanche de conteúdo, a precarização de seu ciclo produtivo (que não, quem nunca?) e cultos ao mundo analógico, representados aqui pelo colecionismo desses retângulos de papel com muita coisa escrita que convencionamos chamar de livros.
A semana segue por mais dois dias - para a maioria - e de forma initerrupta para mim, em meio a tantos afazeres mas até o nosso próximo encontro, gostaria de dividir uma última dica, na forma da bibliografia deste simpático velhinho abaixo, chamado Henry Jenkins. Ele é um acadêmico bem articulado nas rodas de consultoria, sendo mais ouvido e lido nestas do que naquelas, as da academia, onde já é questionado em algumas de suas abordagens.
Mas o fato é que ele teceu importantes comentários sobre o culto do amador, a cultura de fãs e a conversão de antigas tecnologias em objeto de culto (vinil, fitas k7 e livros físicos). E se você se interessou por essa aproximação que tentei por aqui, pode ser um bom ponto de partida.
Penso que uma boa forma de encerrar, então, é deixar aquela bibliografia do Henry Jenkins pra você dizer que leu na rodinha de amigos. Aliás, que rodinha é essa que você anda frequentando que cita autores, hein? Cuidado.
Cultura da convergência. Editora Aleph, 2009.
Cultura da Conexão. Editora Aleph, 2005
Fans, Bloggers, and Gamers: Exploring Participatory Culture, New York University Press, 2006.
Invasores do Texto. Fãs e Cultura Participativa. Editora Marsupial, 2015
Spreadable Media: Creating Value and Meaning in a Networked Culture. New York Press, 2018
Pera ainda. Vamos terminar com a pergunta da semana? Olhe em volta e me diga que tencologia antiga você elevou de status em sua vida recente, transformando-a em objeto de coleção ou devoção?
O blog CanalTech fez essa conta para nós e nos conta quanto custa assinar todos os streamings disponíveis no Brasil.
Para a ilustração da provável audiência, explico aqui a treta entre Ariadne e Teseu
Não coincidentemente, porque não existe coincidência, estou lendo “O irmão alemão” do Chico Buarque e essa parte sobre os documentários me levou diretamente à paixão que o protagonista, herdada de seu pai, alimenta pelas edições raras com as quais tromba dentro de uma casa que as vezes parece mesmo um sebo. Feliz conexão.