Os projetos cada vez menos sociais das redes sociais
Instagram agora é local de entretenimento e vídeos. Mas quem disse isso?
Lembro que uma das funções da minha comunicação diária com minha provável audiência é fazer algumas provocações para aquecer a tríplice fronteira entre Tecnologia, Comunicação e Cultura, como você já deve ter visto no cabeçalho da newsletter. E, em função disso, recupero uma notícia recente, fresquinha na verdade, que nos dá conta de que o CEO do Instagram, Adam Mosseri, anunciou pelo Twitter, um de seus fatos relevantes para o quadrimestre: a rede social que ele comanda, e que divide a preferência dos creators brasileiros com o TikTok, não é mais - apenas - um app para compartilhar fotos quadradinhas. Mais do que isso, é uma central de entretenimento e compras.
Percebo a clareza de sua fala apontando competidores como um alerta importante para as discussões que pretendemos ter aqui, e que esse papo é um confronto interessante e renovado com o conceito de plataforma. É quase naif reputar aos ambientes que hoje comandam a nossa forma de nos comunicarmos digitalmente, quase como que forçando certa exclusividade, a falta de agenda ou ainda suposta imparcialidade ou neutralidade. Acredito que ninguém mais é tão inocente assim, certo?
Antes disso, sinalizo que a declaração Mosseri me demonstra outro lado ainda mais profundo e determinante. Mais do que planos de negócios louváveis e competentes, para além de estratégias de tração e crescimento, as cabeças que pensam as redes sociais hoje têm em comum a fome pela normalização. Faça o que eu digo, mas não faça isso em outra rede.
Quando eu digo para você que o ambiente e ferramentas que eu ofereço em troca de seu comportamento de uso, tem a função X e deve ser utilizado para a atividade Y, sou eu um apresentador de potencial ou um limitador de capacidades?
Mas calma que a questão nem é só essa e nem se resume ao Instagram
O comportamento não é exclusivo do agora ambiente de entretenimento, vídeos e compras chamado Instagram. Nem tão pouco está reduzido ao que falam os CEOs, CMOs e CTOs destes ambientes. O conceito de normalização soa cada vez mais disseminado e demonstra ser o fio condutor de nosso ambiente digital de todos os dias, likes, comentários e clique no sininho para receber notificações.
Está, por exemplo, quando uma ferramenta capaz de ser utilizada para hackear tutoriais de maquiagem para falar sobre perseguição política na China (uma pré-Blogueirinha do Fim do Mundo1), é mais utilizado para todos repetirem a mesma pirueta enquanto passam um braço por baixo do outro e mordem a língua. Ou a possibilidade de fazer transmissões ao vivo em um mundo sem rua, pandêmico, é aproveitada para um festival de saudações e troca de presentes virtuais, no lugar de discutir o que realmente interessa, a saber, a troca disso tudo que está aí. 2
Está ainda, na bancada do maior jornal televisivo do país que separa alguns minutos de uma de suas edições de agosto de 2019 para contar ao povo brasileiro o que é Podcast, quando na verdade, está apresentando apenas os formatos que achou por bem produzir em sua empreitada interna.3
Está também em canais de YouTube esteticamente iguais do primeiro ao último segundo, podendo falar de qualquer assunto com igual superficialidade e desinteresse visual. Todos com abertura de 2.8, com ISO 800, com fundo desfocado e fundo púrpura, com jump-cuts e piadas em preto e branco.
Todos
iguais
porque
todos
simples
mortais.
Por fim, concluo aguardando comentários que nunca vem: quando Adam Mosseri afirma com todas as letras que sua rede social é X e não Y, está querendo dizer como você deve se comportar. Antes que você descubra que comportamento é esse.
A rede social é a placa mãe na qual moram todas as identidades-unidades-computacionais do mundo plataformizado.
Procurei durante algumas horas o link mas não achei. Isso aconteceu: uma refugiada de um campo de concentração começou a fazer um tutorial de make up e de repente, desandou a falar sobre campos de refugiados. Quem tiver esse link, manda aí!
Sobre as passeatas de 3 de julho: o que assombra são os 30% que ainda apoiam
Podcast é o que você quiser fazer dele, combinado? Eu por exemplo, fiz dele uma de minhas atividades profissionais, além de objeto de minha Dissertação de Mestrado.