Por que é saudável desconfiar de gurus
De fórmulas de lançamento a segredos de investimento, tudo é dúvida vendida como certeza
Encerro do dia anterior ao envio da mensagem de hoje lendo uma matéria do The Cut sobre a nova cena das newsletters. De como resgatam intimidade e realidade, uma vez que é um e-mail que sai da caixa do autor para a dos leitores, de como é uma ferramenta útil para divulgar o trabalho de escritores e de como, muito em função disso, borram a fronteira entre o que é a obra e o que é a estratégia de divulgação do trabalho.
Percebo como isso é sintomático no contemporâneo: atividades que se sustentam única e exclusivamente a partir da afirmação de sua própria importância. As pessoas que professam esta forma de credo (porque em última análise é sobre o que se trata) já receberam vários nomes, sendo o mais recente, empreendedores de palco. Mas, vamos ficar com gurus, pois palavra menor e sonora. E escrevo de ouvido.
Meu e-mail de hoje é por que desconfio de gurus e de como isso me trouxe até aqui.
Desconfio de gurus pelo motivo mais saudável e direto que poderia existir: já tentaram me transformar em um. Aconteceu entre 2004 e 2016, tempo durante o qual a palavra “freelancing” era indissociável de minha presença, fosse física em eventos do nascente mercado digital, fosse remota, em entrevistas para jornais de grandes capiais ou interior.
Fui chamado para responder a questões sobre por que se faz isso em lugar de um concurso público ou vaga no mercado corporativo, como se deve organizar a agenda e rotina de trabalho, o espaço físico para tal, a melhor estratégia para conquistar seus clientes, cobrá-los, fazê-los fiéis e, em meio a tudo isso, ser criativo, proativo, inovador, simpático e, claro, saudável.
Percebo hoje, momento em que a maturidade se avizinha, como tortuosa foi essa jornada, pois aconteceu em paralelo a tudo o que eu vivia e aprendia. Dos calotes que tomei, das promessas que não vi cumpridas, das dificuldades gerenciais que enfrentei, da impossibilidade de honrar com alguns compromissos com as equipes que formei… tudo poderia ter sido evitado.
E ainda bem que não foi. Por que foi aprendendo enquanto ensinava, e vice-versa, que cresci. E aqui as águas se dividem e retorno ao primeiro parágrafo da comunicação que hoje será curta: o que separa a minha experiência daquelas que gestores de infoprodutos oferecem (eu simplesmente detesto esta estética do infoproduto, mas isso é papo para outro dia) é o abraço ao erro.
Nunca cravei como correta qualquer uma de minhas orientações, para início de conversa. Aliás, só para contextualizar quem, por acaso não me conhecia nessa fase, o período mencionado deu origem a três projetos de conteúdo todos ainda no ar, o blog Carreirasolo.org e os podcasts FalaFreela e Sala101.
Em função deles, recebi mais de 5.000 e-mails como esse que envio todos os dias. Gente que me pediu ajuda para mudar de profissão, para escolher a primeira atividade profissional, para avaliar portfólio, para montar seu primeiro contrato como freelancer, ou encerrar um contrato antigo que não queria mais. Gente que vi entrar e sair da faculdade, casar, ter filhos, separar, morrer.
Jornadas que poderiam ser outras se não tivesse conhecido, melhore sou piores, eu mesmo que poderia ter sido outro se não tivesse parado meia hora como faço hoje para escrever todos os dias esse e-mail aqui. Projetos que vi nasceu, crescer e serem vendidos. Reputações que entraram em ebulição e evaporaram. E, claro, uma deliciosa coleção de pequenos loucos. Eles são os melhores.
Mas, tudo isso que vi, vivi e interagi com não recebeu de qualquer um dos projetos que liderei uma afirmação categórica. Uma fórmula de sucesso. Uma receita mágica, poção de rejuvenescimento ou de aumento de potência. Porque, gente, lá no fundo, temos que entender, que dar certo é um detalhe, muitas vezes, raro. E não devemos nos comprometer com exceção quando o assunto é a jornada alheia.
Por fim, concluo uma vez que as reuniões do dia já me chamam: desconfie você também do guru da porta ao lado se ele oferecer mais do que é, em essência, a razão de sua existência: provar que existir é compartilhar pelo prazer de seguir junto.
Por hoje era isso.
Ah, e mais uma coisa: essa newsletter, em seu modo gratuito, continua no Telegram. Apareça por lá!