Por que o Flow do Google é um papo furado
E por que ainda assim é uma ferramenta incrível que só poderia ter nascido em nosso tempo. Bônus: vários vídeos feitos com a ferramenta.
(Faz sentido ler esta edição em seu navegador ou no app do Substack. Temos vídeos!)
Sim, preciso confessar: passei os últimos dez dias em uma tarefa que a primeira vista parecia super-criativa e interessante, mas que me deixou com aquele gosto amargo de “pqp, me pegaram novamente”. Assinei o Google Ultra para testar o Flow, a ferramenta do vídeo que abastece os virais do momento. Me arrependi. Mas adorei.
Calma, explico. Primeiro, com esta imagem.

A era do Smartphone-AI-Ex-Machina e por que caímos nesse papo furado
Para simplificar porque me senti enganado: a minha mente humana precisa de consistência. Eu queria trabalhar um certo fluxo de história na plataforma. Tolo que sou, atrelado que sou a estética pré-morte-da-atenção, imaginei que teria a ideia de micro-curtas em alguns segundos e, com a ajuda do parceiro generativo, geraria imagens incríveis.
Meu primeiro resultado foi promissor: e se uma dupla cientista + aprendiz testemunhasse o despertar da IA Geral? E se, para aplicar certa dose de retro-futurismo, que adoro, isso tivesse ocorrido em um porão na Copacabana dos anos 70?
E aqui vale já um aviso: não dá para chegar em resultado interessante de edição com o Flow. Eu gerei uns seis ou sete “takes” e levei para o CapCut, onde consegui chegar na velocidade que eu queria, inserir trilha e trabalhei melhor as transições.
Até este momento, já havia consumido uns 800 créditos dos 12.000 créditos iniciais. E, pensando que estava seguro, resolvi criar outro curta.
Aqui, já tinha atentado para a limitação da consistência. Mas insisti e girei o relógio alguns anos para a frente: como seria acompanhar um grupo de três amigos para viver a primeira edição de um famoso festival de música na cidade do Rio de Janeiro? You know what i'm mean…
Ah, até que ficou interessante, concorda? Deu para trazer certo ritmo, emoção com direito a um fast-foward para reencontrar os personagens 40 anos depois. Certo?
Certo. Mas, a essa altura, restavam só 5000 créditos. E aqui é oportuno você entender o que isso quer dizer na prática em temos de modelo de negócio. E na fatura do seu cartão de crédito.
A assinatura Ultra do Google é a Ferrari dos modelos de IA a sua disposição. Ela dá direito ao Flow, 30 TB de espaço, um NotebookLM turbinado (vale outro post só sobre essa outra ferramenta, que entrega comparativamente ao que promete, bem mais, ou pelo menos é mais justa) e muitas outras coisas. É a mais cara do pedaço, levando em consideração aos pacotes disponíveis para mortais como eu e você.
A cereja do bolo aqui é que para chegar próximo ao resultado dos virais que você tem visto em seu TikTok (Marisa Maiô e afins), você precisa fazer uso do modelo mais avançado em sua versão mais voraz, a Veo 3 High Quality. Isso quer dizer que para cada vídeo de 8 segundos, você consome 100 créditos. Sem saber se terá um bom resultado. Sem ter português nativo.
E aqui vale já o disclaimer que não é novidade e você precisa entender: o que viralizou, o fez, porque tem um ROTEIRO BOM. Ferramenta é ferramenta. Seja agnóstico de ferramentas. Combinado?
Agora, você imagina, que uma pessoa sensata pararia por aí. Eu fui lá, assinei, testei, vi que era voraz, vi que consumiria em alguns dias a assinatura do mês inteiro e, claro, deveria parar.
Sim, uma pessoa sensata sim.
E se eu criasse um Avatar para divulgar a newsletter?
Foi o que veio a minha cabeça pouco sensata. Na prática, essa figura já existe. Em um ou outro Carrossel da seção Radar do Instagram você encontra uma figura meio etérea, com cara de Alien, observando mais do que falando. Uma testemunha dos fatos que os posts tentam decifrar, se fosse para explicar mais profundamente.
Novamente aqui, vale a ressalva sobre a edição ter que ser feita em outro app e a consistência que, como se trata de uma figura muito característica e com detalhes pouco usuais, ficou difícil manter. Até cheguei em um resultado curioso, editando uma ideia: e se o Coletivo Sinapse assumisse sua não-consistência como sua principal característica? Bom, deixa o personagem explicar o que eu estava enfrentando.
Enfim, entendendo que a limitação da consistência ainda nos acompanharia, abri o Notion que mostrei na última edição, peguei um tema, e imaginei um roteiro rápido, em que o Coletivo nos explicase do jeitinho dele sobre o que seria o conteúdo.
Após esse resultado parei, respirei e comecei a pensar
A essa altura já tinha começado a desenhar uma hipótese por trás da estética dos virais feitos por I.A. Vídeos curtos, com piadas non-sense, esquetes de humor que poderiam ter saído da Radio Nacional dos anos 40 são assim por essa limitação básica envolvendo a consistência. É nossa resposta antropofágica ao que a plataforma nos impõe.
Antes que seja encaixado na categoria dos precipitados, coisa que até sou um pouco mas não muito; é obvio que eu sei que se trata de uma tecnologia nascente e por isso mesmo foi posta em escala para ser refinada. Como é igualmente notório que o que ela faz é absurdamente de outro planeta.
(Repitlianos? Talvez…)
A grande jogada aqui - e a que justifica o título desta edição - é que o Google muito espertamente conseguiu criar um modelo de negócio que custeia seu teste final.
Nós pagamos para treinar e refinar seu mais novo modelo de vídeo. Submetemos o ímpeto criativo ao formato que ele permite e nos contentamos com fagulhas que brotam brilhantes aqui e ali, como em um processo de solda que une - de forma quase inseparável - nossa pressa e desatenção com a sagacidade dos OverLords das BigTechs.
Esse foi o momento em que o Coletivo Sinapse, pelo menos por enquanto, arrumou a sua mochila e foi passear em uma rua suburbana em algum lugar do mundo, abrindo a porta para dentro do quarto, que se transforma na rua… da forma mais surreal possível.
Em seguida, desassinei.
Pois o mundo está surreal mesmo
Eu estava com a ideia deste post pronto, quando em meio a tantas notícias, outra imagem, essa também na categoria surreal, chegou em algum feed na minha mão:
Conhecida como “Lebanon Saxophone”, registra convidados de um casamento no Líbano que estando a uma distância supostamente segura, filmam com seus celulares o bombardeio do Irã em Israel.
Isso tem tantas, mais tantas, mais tantas camadas que daria uma edição especial só para debater a espetaculariação da tragédia. Ou ainda, de como elevamos os smartphones-ia a categoria de Deuses Ex-Machina que - se não resolvem - anestesiam nossa relação com a humanidade.
Consistência é uma coisa importante pra mim também. E essa quebra ao longo do processo da uma frustrada nos planos de pequenos curtas criativos que a gente achava que conseguiria produzir…mas como você comentou, tudo isso já é tão mágico, que já vale a pena.