Tudo o que assinamos tem seu propósito
Construímos identidades e matamos o tempo pela ausência da fricção do espaço. Século XXI. Será que estamos vivendo ou só assinando streaming?
Penso em preencher o nosso encontro de quarta-feira com um exercício simples, no formato de um ensaio livre. Para isso, começo a digitar no modo rascunho neste mesmo dashboard e a organizar tudo o que topei trocar a posse pelo acesso. Minhas assinaturas.
Somos, eu e você, contemporâneos em nossa fartura de opções de entretenimento eletrônico e absoluta falta de tempo para consumi-los. Vale lembrar que matamos o tempo quando eliminamos a fricção do espaço1 e isso nos levou a evoluir (ou nos imiscuirmos) em um ambiente onde consumimos sem parar e de forma superficial todo e qualquer tipo de conteúdo produzido ao nosso redor.
Civilizações futuras que prevalecerem neste planeta ou vierem em visita provavelmente se perguntarão porque produzimos mais do que consumimos. Claro, e porque nos consumimos de forma estúpida pelo esbarrar de um botão nuclear, vírus ou os dois. Mas isso é outra história ou o seu fim.
O fato é que a partir desta torrente, que nos abastece como cabos das máquinas que alimentavam Neo, antes que tomasse a sua pílula vermelha em Matrix 1; começamos a estabelecer modelos de negócio e intermediação que foram os afastando de um comportamento já estabelecido de a) ir atrás do entrenimento que mais nos agrada; b) comprar a mídia na qual o conteúdo está registrado e c) consumir esse conteúdo por quanto tempo durar/preservar aquela mídia… e nos levaram para outro em que d) ouvirmos falar sobre o conteúdo e seu canal digital de acesso e e) acessar este conteúdo (e mais dezenas de milhares de peças similares) pelo tempo que conseguir pagar a módica quantia de algumas dezenas de reais.
Dezenas de reais por dezenas de milhares de peças de conteúdo parece ser um bom negócio afinal.
E, a partir deste comportamento estabelecemos parâmetros para construir nossa identidade enquanto seres que consomem conteúdo como forma de experessar sua identidade. Sim, me permiti a tautologia porque hoje é uma quarta-feira do primeiro dia de setembro de 2021 e daqui a uma semana, não saberemos se ainda poderemos definir aquilo que chamamos de Brasil. Ou, finalmente, saberemos. Nunca se sabe.
O fato é que o fluxo de consciência a que me dedico hoje, como nos velhos tempos em que apenas o podcast recebia este tipo de atenção, tem o propósito de, em rápidas linhas, determinar como construo a minha nesse terço do segundo ano pós-pandemia.
Senão, vejamos.
Narrativas fílmicas nos acervos de Netflix, Prime Video, Disney+, HBO MAX, FilmeFilme, YouTube Premium e GloboPlay
Alguns afirmam que a realidade (ou, novamente, o Brasil) os obriga a beber. Eu, por convicções pessoais, me mantenho longe de vícios etílicos (não invoquei aqui a cartinha santificada da abstemia, apenas a da aversão ao exagero), de forma que afirmo que o mundo ao nosso redor, me obriga, por sua vez, a fugas na ficção científica, aventura e comédias família.
Som, a fronteira ideal após o play em Spotify, PocketCasts, Storytel e Riverside.fm
Como pesquisador atento ao que se pensa sobre mídias sonoras de forma geral, me conecto com plataformas que tem em músicas, podcasts e audiobooks sua forma de experessar as inquietações do contemporânero. Interessante notar que da lista o Spotify é aquele pelo qual nutro menor apreço, por motivos de UX probre. Sou um esteta afinal.
E por isso, estou mantendo um caso recente com o Riverside.fm, plataforma que desponta no período COVID-19 com a proposta de ser um estúdio virtual para gravação de podcasts. Ontem, por exemplo, promovi a gravação de mais um episódio do HumanoramaCast2 com o time abaixo:
As nuvens sempre abarrotadas de Google One, iCloud e Office 365
Pagamos para consumir o acervo em nuvens na mesma medida que gastamos alguns tostões para nós mesmos abastecermos a nossa. É abissal a quantidade de informação que geramos hoje. Só para dar um exemplo, o programa acima gerou entre .WAVs e .MP4s 10Gb de informação. Dez Gigas.
As pseudo-promessas de Linkedin, DreamHost e HostGator
Pausa para “momento que me acho Cringe". Sim, pago a versão premium do Linkedin, mesmo sem ter entendido até hoje quais são seus diferenciais concretos, além do selinho dourado e do “descubra quem acessou o seu perfil”. Linkedin é como aquele caderno de perguntas que circulava pelas salas de aula nos anos 80. Respondemos às dúvidas uns dos outros sem nos atentarmos para o nosso próprio auto-conhecimento. Estranhíssimo.
Já os provedores de acesso promovem meus sites profissionais (este aqui e este outro aqui) além de projetos que, ou já estiveram ou almejam alcançar alguma relevância, seja lá o que isso quer dizer em tempos de fazer uma dancinha na frente do celular está rendendo milhares de reais aos mais seguidos ou curtidos. São necessários e, caro lírio dourado, é muito cômodo, prático e confiável, dar três cliques e instalar uma versão do wordpress em segundos. Não troco por nada.
NYTimes, Folha de SP, O Globo, Kindle Unlimited e Circuito UBU
Ainda assino versões digitais de alguns jornais, dentre os quais o melhor custo benefício segue sendo NYTimes, que me dá acesso a outras tantas newsletters e TODO O FUCKING ACERVO centenário; um programa de livros digitais que usei duas vezes e outro de livros físicos charmosíssimos, profundíssimos e repletos de conteúdos extras (incluindo cursos com os próprios autores), chamado Circuito Ubu, da editora de mesmo nome que descobri ao encontrar a última cópia dessa belezinha abaixo da Livraria Leonardo DaVinci (cariocas bibliófilos entenderão).
O que me leva a conclusão final do rápido ensaio de hoje
Quando criança, sentado próximo ao local de onde trabalho hoje (longa história, qualquer dia explico), sonhava em ter assinatura de revistas em quadrinhos. Mas, era caro para os meus padrões na época. Tudo era caro porque não se tinha padrão, descobri isso pouco tempo depois.
Ainda assim, ali pelo final da adolescência consegui algo do gênero, era uma revista editada pelos Correios sobre filatelia, sim, já colecionei selos e esse acervo deve estar em algum lugar por aí com toda a organização que me é característica neste tipo de empreitada. Ela era gratuita mas muito bem editada e se chamava COFI, Correio Filatélico.
Eu não sabia na época, mas agora tenho certeza, que o valor por trás do acesso que se tem em sistemas de assinatura transcende em muitos graus o valor do objeto final/inicial do cosumo. O valor está na jornada de quem selecionou aquele conteúdo para você e faz chegar onde quer que esteja.
Da cabeça para as mãos. Da história para o presente. Da carpitaria do texto para o consumo inspirado do consumidor seleto. Pegando uma carona baratíssima em uma etimologia de botequim, não é à toa que todo o universo dos streamings tem como forma de estabelecer contratos, a assinatura.
É um aceite e respeito à jornada de quem o seleciona.
Legal, né?
Bem… era. Daí, inventaram os algoritmos para automatizar os processos. Mas isso, é papo para outro e-mail.
Até lá, fica a quest`ão da semana:
Você assina mais ou menos serviços do que estes que descrevi acima?
Sobre o tema, indico o Globalização e as Consequências Humanas, do Bauman.