Como a Cultura Pop está olhando para os abastados em 2023
Entre séries e filmes, quatro exemplos que nos fazem pensar sobre uma recente releitura do papel dos endinheirados na cultura pop
(antes de começar, lembrando que temos um servidor no Discord e um grupo no Telegram para seguirmos conversando durante a semana. Passem por lá!)
Eles já formaram a classe que enfrentou a Igreja e trouxe novos arranjos sociais como forma de se viver. Com isso, tornaram-se mecenas de muitos dos produtos culturais que conhecemos, inclusive utilizando estes produtos como caminho mais curto à eternidade. Sim, a eternidade pelo meio antigo começou a ser questionada e, em alguns casos, barrada pela Igreja. Mas este é outro assunto.
Eles também utilizaram sua força criativa para propor modelos de negócio não muito…humanitários. Escravizaram, enfileiraram profissionais em linhas de montagem, "fetichizaram" a mercadoria1 ao ponto de consumirmos arquétipos sublimados sem função. Sim, eles inventaram a obsolescência programada e a fornalha espetacular de sua narrativa que a faz manter-se sempre relevante, a publicidade.2
Eles já tiveram vários nomes, dentro os quais, abastados, burgueses, liberais, ricos, elite. E, não necessariamente nessa ordem, desempenharam todos estes papéis com maior ou menor intensidade. Acumularam, pouco distribuíram, locupletaram, depuseram mais do que elegeram, deixaram frouxa a democracia ou apertaram a força dos batalhões de repressão de acordo com a tabela de lucros.
Eles foram na Cultura Pop, plot, trama, subtrama, heróis, anti-heróis, protagonistas e coadjuvantes. Mas estiveram sempre presentes.
Até que tive um insight reunindo [PLAY]s recentes que dei por aí nos streamings: as narrativas que envolvem e trazem à luz o mundo dos ricos anda bem curiosa.
Senão, vejamos.
![Triângulo da Tristeza - Crítica do filme indicado ao Oscar Triângulo da Tristeza - Crítica do filme indicado ao Oscar](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F58b0c60c-f492-476c-9de8-31d3bf469cf5_1200x630.png)
Vamos começar embarcando no cruzeiro de luxo de Triângulo das Tristezas (Prime Video, 2023). Sem querer dar spoiler, perceba como a câmera nos conta uma história paralela que antevê alguns dos atropelos que arquétipos de muito ricos enfrentarão sobretudo no terceiro ato do filme.
Funciona como mais uma recente crítica ao endinheirado inconsequente, mas tem nesta câmera um ponto de inflexão importante. A cena central que separa o filme em dois traz uma jogada muito interessante utilizando a metáfora do desnível do barco, que enfrenta uma tempestade, com o próprio desequilíbrio de narrativas entre um Russo Capitalista e um Americano Socialista. Delicioso de se ver. Até que tudo começa a desmoronar.
Muito provavelmente é essa câmera-olhar bêbada e desnivelada uma das motivadoras da Palma de Ouro em Cannes em 2022.
![Cena pós-créditos deletada de Glass Onion teria mudado um grande momento do filme Cena pós-créditos deletada de Glass Onion teria mudado um grande momento do filme](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2Faa947b1c-d471-4d1b-a8be-dfe84ba3716f_643x430.jpeg)
Mas, posso sugerir que você se safe dessa última viagem do cruzeiro de luxo do filme anterior (ops!) e chegue - ainda de barco e ainda na categoria de amigo de bilionário -, à ilha secreta de Glass Onion (Netflix, 2022).
Aqui, não sei o que mais constrange, se ver o Edward Norton de Clube da Luta meio abobado (mas sem a profundidade neurótica do clássico de David Fincher) ou se entender que o personagem que ele traz é apenas…babaca. Tão babaca quanto um Elon Musk comandando o Twitter.
Por que o filme que não vale a pipoca que se estoura no micro-ondas está aqui? Para refletirmos sobre a inutilidade de alguns, claro.
![The White Lotus: criador e estrela da série conversam sobre o último episódio; contém spoiler | Streaming | O Globo The White Lotus: criador e estrela da série conversam sobre o último episódio; contém spoiler | Streaming | O Globo](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F5efd3fbe-9a19-4183-9a90-ec51813bf824_924x662.jpeg)
Perceba agora a sutileza do que esse Zeiltgeist meio amalucado nos propõe ao repetir navios, ilhas e tramas que não dão certo para quem acumulou algum capital em seus bolsos, chegando ao cais com pompa e circustância para a segunda temporada de White Lotus. (HBO Max, 2022)
(…você é do time que ao ouvir essas duas palavras ouve a trilha sonora oficial cheia de “oh-oh-oh-ooohhhhs”?)
Não há nada mais esclarecedor do estado de como as narrativas contemporâneas (sobretudo nos streamings) têm tratado os abastados do que aquela última cena do navio, com a nossa Jennifer Coolidge cambaleando, bêbada e indecisa por um convés apocalíptico.
Quase tão reveladora quanto a shakesperiana Succession (sobre a qual já postei bastante, já vi as três temporadas três vezes nos últimos anos e vou pular) ou ainda, quase tão metafórica do que a mais recente do Christopher Waltz, O consultor (Prime Video, 2023)
![Entenda o final de O Consultor, série da Amazon com Christoph Waltz - NerdBunker Entenda o final de O Consultor, série da Amazon com Christoph Waltz - NerdBunker](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F28f1b46f-19ff-45e4-96be-65f10ef14321_1210x544.jpeg)
Waltz nos traz mais um personagem com cara dele mesmo (o que ele adora fazer desde Bastardos Inglórios) e de quebra nos presenteia com uma crítica ao capital que a tudo engloba e domina, por dentro e por fora. Tem um (dedo do) pé no realismo fantástico e um final aberto e inconclusivo.
Sobre o Christopher Waltz repetir algumas soluções, vale a indicação do episódio do podcast, onde mostro para você que, no universo deste ator, sempre existe uma cena com uma mesa.
Aliás, como tudo o que trouxe até aqui. E isso me leva à questão da semana: por que a elite atual é retratada desta forma em séries e filmes recentes?
Eu vou explicar a seguir.
Por onde anda o Capital?
Para ajudar a explicar, precisamos fazer como um investigador do FBI de filme dos anos 90. Colar várias fotos em um mural de cortiça, ligá-los por fios vermelhos, olhar para o seu chefe e dizer entre os dentes: “siga o dinheiro”.
E, assim, começo a contar para a minha provável audiência que o capital se reconfigurou intensamente em busca de encarnações cada vez mais sublimadas e sutis. Já morou em produtos pesados e industriais, depois em serviços cada vez mais difíceis de precificar e/ou medir e, por fim, no final do século XX, em imensas estruturas de dados.
Nós chamamos de internet, de forma reduzida, mas envolve muitas e muitas outras camadas. Para efeitos do raciocínio aqui, vamos chamar de plataformas!
Pois bem: o capitalismo atual encontrou nas plataformas a maneira de manter a sua lucratividade após crises em suas margens de lucro, impulsionadas por eventos como a primeira bolha da internet dos anos 1990 e a crise de 2008.
A captura, análise e negociação de dados gerados nos ambientes digitais são a nova forma de aumentar margens, escalar negócios e reorientar vínculos empregatícios.
Petabytes são o novo petróleo.
As plataformas se baseiam nas vantagens de seu efeito de rede e tendem a focar no ganho contínuo de usuários, o que pode levar ao monopólio e à reconfiguração do conceito de concorrência. Daí, o movimento em direção à lógica do crescimento infinito explica a estratégia de algumas plataformas em adquirir empresas aparentemente sem relação com seus negócios, mas que fornecem dados valiosos.
No entanto, é importante considerar também as implicações culturais dessas mudanças, especialmente para produtores de narrativas e histórias que trabalham em plataformas.
Respira.
É aqui que essa rápida arqueologia do capital recente encontra o nosso tema de hoje, como uma colisão entre um trem do Alaska e um pequeno Fusca.
E vamos nós. Quando vemos todos estes atropelos no universo de Triângulo das Tristezas, White Lotus e o Consultor, não é sobre a elite atual que estamos falando. Estamos testemunhando o ocaso de arquétipos anteriores. O industrial, comercial e de serviços.
Não somos nós que estamos rindo dos ricos e abastados. É a elite atual , escondida na forma de nerds que nunca dão as caras, que gargalha de todos nós. Enquanto coleta dados.
Pára e pensa. ;)
Está na minha caixa postal, mas poderia estar na sua
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É escrito por Casey Newton e Zoë Schiffer. Casey passou 10 anos cobrindo o Vale do Silício para The Verge, CNET e San Francisco Chronicle antes de fundar o Platformer. Zoë escreveu reportagens exclusivas sobre Away, Apple, Netflix e Twitter para The Verge antes de se juntar à equipe em 2022.
Separei essa história para você ler e ver se gosta!
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Tem aquela história do roteirista que queria deslanchar
Ele sabia escrever roteiros, seus plots e até a bíblia de série. Mas como organizar o conteúdo de bastidor sobre isso para atrair o contrato que vai garantir sua aposentadoria?
A dica: parar para ouvir quem já auxiliou as maiores marcas do país a criar operações de conteúdo.
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Saiu minha entrevista para a Rádio da UERJ falando sobre o mundo dos podcasts, com direito a dicas para quem quer começar. Você pode conferir minhas sonoras aqui »
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![Da Vinci’s sketches of turbulence. (Yelkrokoyade/CC BY-SA 2.0) Da Vinci’s sketches of turbulence. (Yelkrokoyade/CC BY-SA 2.0)](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2Ffaf2e53e-53d6-412f-83e3-eb88aca04240_437x630.png)
Agora eu fui. Pensando em como virar protagonista de série para fazer cruzeiro de luxo.
O fetiche da mercadoria é um conceito de Karl Marx que descreve a transformação das relações sociais em relações entre coisas, em uma economia baseada na produção de mercadorias. Isso leva a uma alienação dos trabalhadores e uma ideologia que oculta as relações sociais subjacentes à produção e circulação de bens. MARX, Karl. O Capital. Editora Boitempo, 2013.
O conceito de mercadoria enquanto espetáculo é desenvolvido por Guy Debord em sua obra "A Sociedade do Espetáculo". Segundo Debord, a mercadoria não é apenas um objeto físico que pode ser comprado e vendido, mas é também uma construção simbólica que transmite uma imagem e uma mensagem aos consumidores.
Debord argumenta que na sociedade contemporânea, a produção de mercadorias se tornou um fim em si mesmo, com a finalidade de produzir uma imagem que seja vendável aos consumidores. Isso resulta em uma sociedade em que as pessoas são definidas e valorizadas pelos bens que possuem, em vez de suas qualidades humanas ou relações sociais.
A mercadoria enquanto espetáculo é uma forma de alienação que leva a uma perda de contato com a realidade e uma ilusão de liberdade, já que a escolha do consumidor é limitada a opções pré-determinadas pelo mercado. Debord argumenta que essa sociedade do espetáculo é caracterizada pela passividade e pela falta de participação política real.
eita, tá bem legal, hein?