Mitos pré-pós-modernos renascentistas em tempos de simulação estatística
Ou: por que ainda buscamos histórias sobre quadros famosos, diretores de cinema com medo de tecnologia e limitação mental na oratória do contemporâneo?
Uma das maiores extravagâncias nesta vida de leitor foi comprar obras duplicadas em versões física e digitais por um motivo simples: Kindle é mais leve de se ler na cama. Em minha defesa, guardei esse comportamento para situações que se justificavam sendo uma delas a biografia de Leonardo DaVinci do Walter Isaacson, o mesmo que biografou Einstein e Steve Jobs.
Na obra que retrata as diversas vidas do gênio renascentista temos os obrigatórios momentos presentes em outras publicações (e nessa curiosa versão televisiva da RAI, a TV estatal italiana) mas também bastidores de sua vida cotidiana.
Você sabia, por exemplo, que Leo era donatário do fornecimento de água de sua cidade? Sim, tipo uma CEDAE. E que investia em bancos quando por aqui a gente ainda pescava no rio e comia Biju? E que era diretor e produtor de espetáculos ao estilo Joãozinho Trinta?
Enfim: leitura mais que recomendada e que passa suave, apesar de suas quase 700 páginas.
E, é claro, o livro fala da Monalisa, sua obra mais famosa.
Curiosamente, poucos que se espremem para dar uma rápida olhada de 30 segundos no pequeno quadro que hoje está em exposição no Louvre em Paris, já pararam para conhecer o quanto de atropelos e quase desaparecimentos a moça de sorriso enigmático passou nestes pouco mais de 500 anos.
Para começar, e isso aprendi no livro de Isaacson, Leonardo carregava a obra com ele, em sua bagagem pessoal, durante suas últimas mudanças, o que se arrastou por cinco anos (junto com Salaí e toda a problemática que envolveu o caso, mas deixa isso para outro momento).
Para seu contexto:na época, já debilitado, Leo, basicamente se relacionava com quem topava hospedá-lo no final da vida, quando ia atrás de patronos para seguir criando (ou mais descansando do que criando, pois já velho e cansado). Se era difícil para Da Vinci…
Monalisa também passou dois anos escondida após um roubo em 1911, sendo o fato, explorado por jornais da época, o que a catapultou para obra mais famosa do mundo, aliás.
E, claro, sempre, existe uma nova teoria sobre as suas mensagens enigmáticas, símbolos arcanos perdidos nos cenários e até quadros por trás da imagem principal, como a história da cadeira que possibilitaria uma releitura de toda a obra.
A que conheci esta semana é que, antes dela, existiu outra.
A "Isleworth Mona Lisa", também conhecida como "Earlier Mona Lisa", é um retrato do século XVI de Lisa del Giocondo, que gerou debates intensos sobre sua autenticidade.
A Fundação Mona Lisa, sediada em Zurique, Suíça, conduziu pesquisas que apontam para o retrato de Isleworth como sendo uma versão anterior da Mona Lisa, com base na aparente juventude de Lisa del Giocondo na pintura e em evidências como uma nota manuscrita de 1503.
No entanto, há ceticismo significativo em torno desta afirmação. Martin Kemp, um historiador de arte especialista em Leonardo e professor na Universidade de Oxford, expressou dúvidas, apontando falhas na compreensão dos detalhes e na sutileza da imagem de Leonardo pelo artista da Isleworth Mona Lisa.
Além disso, há observações de que, apesar de certas semelhanças faciais, o restante da pintura parece plano em termos de cor e detalhe em comparação com a obra do Louvre. Portanto, embora existam argumentos de ambos os lados, a discussão sobre a autenticidade da "Isleworth Mona Lisa" como uma obra anterior de Leonardo continua sendo um tópico de debate no mundo da arte.
Monalisa falsa ou verdadeira, segue como um mito pré-pós-moderno sobre aura e autenticidade que nos encanta em tantas camadas quanto são as de tinta em seu pequeno suporte de madeira.
E isso é relevante porque vivemos um momento curioso em nossa capacidade de captar, moldar e eternizar experiências visuais. Que me desculpem os Benjaminianos1, mas dá para traçar uns paralelos aqui em discussões ainda que primitivas sobre Auras e Reprodutibilidade, não?
Fico pensando em como é humana essa dualidade de se ver genial em alguns de seus representantes e, em seguida, duvidar histórica e continuamente desta capacidade; seja atribuindo instâncias sobrenaturais ao feito ou questionando a sua originalidade.
A gente tem vivido isso hoje em dia com outra esfera de nossa vida criativa: a ascensão das I.As.
[READ] → GREAT SCOTT!
Diretores de cinema estão de olho nisso também. Ridley Scott, reconhecido por dirigir clássicos de ficção científica como "Alien" e "Blade Runner", expressou preocupações significativas sobre o impacto da inteligência artificial (IA) na indústria cinematográfica.
Em uma entrevista com a Rolling Stone, Scott descreveu a IA como uma "bomba de hidrogênio técnica", temendo que uma vez descontrolada, ela possa dominar sistemas essenciais como o elétrico e o monetário. Ele também fez uma comparação com seu filme "Blade Runner", sugerindo um futuro onde corporações poderosas controlam a replicação e a criação de IA.
Além disso, Scott manifestou preocupações sobre o uso da IA em relação às recentes greves de Hollywood, destacando que há algo "não criativo" sobre dados e expressando dúvidas sobre a capacidade da IA de criar obras de arte que requerem emoção ou alma.
A treta entre Diretorzões e Inovação não é nova: Martin Scorsese é outro que comprou briga com Streamigns. Em um ensaio, Scorsese criticou os serviços de streaming por "desvalorizarem" o cinema, argumentando que o uso de algoritmos pelos serviços de streaming está diminuindo o valor da arte cinematográfica. Ele lamenta que o cinema esteja sendo reduzido a mero "conteúdo" nesses serviços, perdendo sua essência artística e emocional.
Ao conectar essas duas perspectivas, pode-se observar uma preocupação comum sobre a influência da tecnologia no mundo do cinema e da arte. Enquanto Scott se concentra na ameaça potencial da IA em redefinir a criação e produção de filmes, Scorsese critica a forma como os serviços de streaming estão alterando a percepção e o valor do cinema. Ambos destacam a importância da preservação da integridade artística e criativa em meio à rápida evolução tecnológica.
Existiria vacina contra o mal do nosso tempo?
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Todas as segundas-feiras estou editando uma newsletter filha desta aqui, com um foco e tom bem específicos: I.As para Negócio. A minha hipótese, explicada em edição recente aqui no Substack, segue por lá em curadorias semanais com aquilo que mais me chamou atenção.
Em nossa edição mais recente falamos sobre a primeira lei aprovada pelo ChatGPT, sobre a Amazon chegando no cenário e a importância de certificações sérias sobre o tema.
Assim, eu concentro lá as discussões sobre o tema enquanto seguimos firmes e fortes por aqui, direto da tríplice fronteira entre tecnologia, comunicação e cultura. ;)
Assina lá!
Biscotinhos para a provável audiência que fala bem, cria e entende de I.A
Em recente artigo no New York Times, o palestrante John Bowe discute a importância do treinamento retórico na educação como uma solução para os problemas sociais, emocionais e políticos que enfrentamos atualmente. Seu ponto é que muitos dos nossos problemas derivam de uma falha no sistema educacional em ensinar habilidades de comunicação eficaz e consideração pelos outros. Desde a Grécia Antiga até o século XVIII, a retórica foi uma disciplina fundamental na educação na Europa Ocidental, combinando lógica, habilidades sociais, pensamento crítico e técnicas de fala. O treinamento retórico não apenas ensinava os alunos a falar bem, mas também os preparava para participar como cidadãos em um mundo irracional e contencioso. Curiosamente, Bowe tem um curso no qual ensina retórica. Novo mundo, velhas e sofistas fórmulas →
Cientistas descobriram um sistema planetário extraordinário, situado a aproximadamente 100 anos-luz de distância na constelação de Coma Berenices, que apresenta uma rara sincronização entre seus seis exoplanetas orbitando a estrela HD 110067. Este fenômeno, conhecido como cadeia de ressonância, ocorre quando dois corpos orbitando um terceiro corpo exercem influência gravitacional um sobre o outro, de modo que seus períodos orbitais se alinham. A singularidade desse sistema o torna um alvo ideal para observações adicionais, especialmente com o Telescópio Espacial James Webb. Me lembrou DEMAIS a Trilogia da Floresta Sombria que chega ao Netflix em 2024. Mas, focando na descoberta, aqui vai o link →
O artigo "Introducing the New Casual Sobriety" de Eloise Hendy, publicado na Vice, aborda uma tendência cultural contemporânea significativa: a sobriedade casual. Esse fenômeno reflete uma mudança nas atitudes em relação ao consumo de álcool, indicando uma preferência por moderação e escolha consciente, ao invés da abstinência total ou do consumo excessivo →
Para fechar: a autora Natália Becattini compartilha uma lista de 10 livros indispensáveis sobre escrita criativa. O artigo contém uma seleção de obras que abordam diferentes aspectos e técnicas da escrita, desde a construção de personagens até a estrutura de histórias. O objetivo é fornecer recursos e inspiração para escritores em busca de aprimorar suas habilidades e desenvolver seu talento na escrita criativa. Para mais detalhes sobre cada livro recomendado, curta esse WebStories →
Hoje você começou a conversar com Leonardo, entendeu a posição de Ridley Scott e até esbarrou em notinhas sobre integridade filosófica. Me conta o que mais gostou?
Até a próxima!
Não sei porque minha cabeça fez um paralelo com um Leonardo DaVinci debilitado indo de castelo em castelo e o próprio Walter Benjamin, influente filósofo e crítico cultural alemão, que teve um fim trágico e marcante. Ele nasceu em 1892 e sua vida foi profundamente afetada pelos eventos tumultuosos da primeira metade do século 20, particularmente pelo surgimento do nazismo na Alemanha.
Com a ascensão do regime nazista, Benjamin, que era judeu e tinha visões políticas de esquerda, encontrou-se em uma situação cada vez mais perigosa. Em 1933, ele fugiu da Alemanha para a França, onde viveu grande parte do restante de sua vida em exílio. Quando a França caiu sob ocupação nazista em 1940, sua situação se tornou ainda mais precária.
Em setembro de 1940, Benjamin tentou escapar para os Estados Unidos via Espanha. Ele fez parte de um grupo que estava tentando atravessar ilegalmente a fronteira franco-espanhola. No entanto, ao chegar à cidade fronteiriça de Portbou, na Espanha, o grupo foi informado de que as autoridades espanholas haviam ordenado a devolução de todos os refugiados para a França, o que provavelmente resultaria na captura de Benjamin pelos nazistas.
Diante deste cenário desesperador, Benjamin ingere grande quantidade de morfina em 26 de setembro de 1940, em Portbou. Ele tinha apenas 48 anos. Sua morte foi um trágico reflexo das turbulências e horrores da época, e ele é frequentemente lembrado não apenas por suas contribuições significativas à filosofia e à teoria crítica, mas também como uma vítima das atrocidades da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto.
Tudo a ver com Benjamim. E não sabia dessa história trágica. Obrigado pela conexão!