Começo a semana em seu segundo dia, lembrando que um dos diferenciais que mais me atraiu aqui no Substack foi esse ar de comunidade old school, pré-algoritmica, sabe? Acredito que muito por ter nascido a partir da necessidade de escritores e articulistas produzirem seus textos e serem textos mais longos do que os poucos caracteres das redes sociais, muito também por estimular a formação de laços diretos e fortes entre esses autores e sua audiência, quem tem uma newsletter por aqui, quem escreve por aqui, flerta com o início da internet.
Sinalizo para minha provável audiência que, em minha curta (mentira, longa) experiência com o mundo digital, o “início de conteúdo para a internet” quer dizer Alex Castro, a.k.a Alex Silva, a.k.a Liberal, Libertino, Libertário, o primeiro blog que acompanhei (desde 2003) e o primeiro autor que conheci e com o qual troquei algumas ideias e projetos off-topic.
E ele está aqui por outro motivo: quero contar o que eu aprendi acompanhando sua jornada de vida. E também porque ontem, ele lançou uma edição de sua newsletter em que revisa essa sua jornada à luz de seu amor pela escrita ficcional, na qual flerta com possíveis projetos envolvendo o custeio de sua produção, que já faz em outras páginas.
Lembro que como um dos objetivos dessa newsletter é aprofundar o entendimento acerca de nossa tríplice fronteira, a saber a Tecnologia, os ritos comunicacionais que são empoderados por ela e a cultura que nasce a partir daí; ter o testemunho vivo de alguém que labuta há mais de 10 anos nesse campo é revelador.
Dito isso, vamos lá.
No início, era sobre usabilidade
Sobre a newsletter linkada acima, respondi meio que de bate-pronto, sem nem ter feito uma leitura mais atenta ao próprio Alex, algo como:
Teus textos jogo pro Kindle, porque nele moram aqueles que leio sem medo do tempo contando da vida profissional. Mas, antes de uma resposta contextualizada, vai aqui uma apressada: queria ter tua coragem de viver no presente contínuo. Sei que demanda treinamento. :)
Bom saber que segue produtivo apesar desse momento pandêmico.
Fique bem!
E para isso fazer sentido, pego a audiência pela mão e levo para o Rio de Janeiro do início dos anos 2000. Época em que os portais e sites de e-commerce começaram a ser PENSADOS. Sim, jovem lírio dourado, houve uma época em que comprar on-line era uma tarefa complicada e em favor da qual precisávamos catequizar.
Ainda no clima de “e se tivéssemos uma operação de comércio on-line como a Amazon no país?”, como ninguém tinha confiança em comprar on-line, como ninguém sabia como fazer isso e muitos empreendedores sequer entendiam como começar um projeto desses; Alex Castro tinha uma consultoria de Usabilidade para sites. Ou seja: era pago para entender como os usuários iriam interagir com as propostas que empresas tinham para uma solução envolvendo e-commerce, um portal jornalístico ou qualquer ambiente digital que necessitasse de interação com objetivos de convers˜ão. E atendemos alguns clientes juntos.
Lembro que por essa época, ele já escrevia seu blog - um dos mais lidos da internet brasileira na época - já flertava com a estética flaneur1, já fumava seus charutos e tirava fotos de pés de moças na rua que assim concordavam. Já contava sobre seu passado de ex-rico, sobre o conceito de “a realidade de cada um é uma realidade possível” e, claro, sobre seu conceito das “prisões”.
Eu, do meu lado, meio assistente, meio ouvinte daquele processo todo de Testes de Usabilidade, estava ali em verdade apenas para entender o que eu achava tão curioso naquela figura. Confesso que prestava pouca atenção nos cliques e nos heat maps que montávamos, queria mesmo era decifrar essa possibilidade de vida.
E daí, o tempo passou. Depois de mais uma ou duas tentativas de emplacar novos contratos, este contato profissional se dissolveu. Ainda moramos no mesmo bairro que, na época, para mim representou uma reconquista familiar e para ele “um bairro de classe média baixa onde moro agora” (lembrem-se, ex-rico), trocamos e-mails e mensagens ao longo dos anos e continuei neste rito de observação, agora à distância, de toda a jornada que ele descreveu ontem.
Lembro de citar os pontos principais: Alex foi morar em New Orleans meses antes do Katrina. Passou por isso, seu cachorro Oliver (RIP) perdido por semanas até ser encontrado, o Doutorado que largou, a descoberta do Zen-Budismo (que agora soube nasceu de sua colaboração com o site Papo de Homem), seu apartamento todo bordô, seus vídeos fazendo café sem dizer nada, os lançamentos, os cursos e oficinas sobre as prisões e novos cursos no período pandêmico, tempo-presente que desembrulhamos agora.
Eu aprendi sobre viver em presente contínuo
Não sei se influenciado pelos rudimentos doutrina Budista com os quais já me deparei, ou pela despreocupação (simulada ou verdadeira, nunca soube) o fato é que essa persona da qual pude ser contemporâneo, me ensinou sobre essa relação característica com o Tempo. Não aquele que projetamos nas brumas do que ainda vem, nem tão pouco aquele outro que fazemos questão de girar o pescoço por sobre o o ombro para ver se distanciar.
Mas sobre o único realmente possível: o presente. Alex Castro vive o seu tempo presente com uma intensidade que os dias passados na rede (rede mesmo, aquela que balança) consumindo sua biblioteca e doses de café não deixam perceber.
Taí, este é o seu principal ensinamento: a presença plena em um presente contínuo.
Aprendi a conceber este tipo de existência a partir destes anos todos acompanhando sua jornada. Mas é claro que colocar em prática é outra coisa.
Mas até aqui, Alex, obrigado.
Aqui o verbete na WikiPedia. Mas, vale procurar pelos textos de Walter Benjamim sobre o tema.
Conheci o Alex na sua passagem pelo Papo de Homem, lá por 2012, eu ainda com menos de 20 anos de idade. À época me soava um cara presunçoso, pregando/propondo desconstrução de forma maçante e exagerada (apesar de - ou graças a isso - sempre muito intrigante, especialmente pelo desconforto gerado); com um claro viés ideológico, em termos econômicos, políticos e sociais amplos, que sempre rendia muito pano pra manga em termos de discussão por parte da comunidade no PdH - viés esse que já não me parecia o mais correto mesmo na época (hoje menos ainda), mas nunca menos perspicaz.
Fato é que não tem como passar incólume pela leitura de Alex Castro. Seria ingênuo da minha parte desconsiderar o impacto dele, direta ou indiretamente, em maior ou menor nível, na formação da minha atual concepção de mundo. E relembrar isso agora me despertou o interesse de reler o conteúdo das prisões, com o olhar mais maduro de hoje.
Por fim, é interessante notar o quanto teu texto (um pouco menos) e o meu comentário (mais) refletem uma das perenes críticas do Alex: parece que tendemos eternamente a nos colocar (eu) como centro e foco das coisas, até quando tecnicamente nos propomos a discorrer sobre outra pessoa...