Spotify precisa fazer as pazes com a sua amoralidade de plataforma
#Ironia, tá? A grande questão do caso Joe Rogan é sobre pseudo-moralidade.
Lembro que não comento fora de circuitos mais íntimos, mas os últimos dois anos não têm sido fáceis para ninguém e, estando eu no subconjunto dos seres humanos viventes no 2020 até agora (o que é um atestado de sorte, em todo caso), me incluo no time daqueles que passam por certos apertos.
Considero expandir o conceito de “aperto”, mas acredito que ele soa auto-explicativo: os financeiros, os pessoais, os emocionais, os paternais. Não à toa terminados em sua maioria em “ais”, sendo consoantes com a interjeição que, por vezes, deixo escapar entre um pulo e outro: “ai…”
Mas o fato é que dia desses, voltava de um mercado por calçadas novamente familiares (longa história, conto no telegram qualquer dia) quando de repente me veio aquele insight-presença-voz-do-anjo (complete aqui com a sua interpretação): faça as pazes consigo mesmo.
Respiro fundo ao lembrar, como fiz na recente caminhada de volta para casa carregando sacolas para o final de semana de estudos em uma mistura de resignação e maturidade. Aliás, excelente questão: quem vem primeiro, maturidade ou resignação? Discorram nos comentários.
O fato é que depois disso, segui mais leve. Mas, entendam, aquele mais leve de cena de vídeo de lançamento de single atual, onde uma narrativa se desenrola em câmera lenta enquanto nosso(a) protagonista segue no frame-rate usual, sabe? Alívio em meio ao caos, que chama.
E, acredite se quiser, nobre integrante de minha provável audiência, é esse o nosso gancho com o fato social que gostaria de comentar na edição desta semana: como a falta de fazer as pazes consigo mesmo pode afetar a sobrevida de uma plataforma neste nosso mundão digital
Vamos falar sobre o Joe Rogan e de Spotify em seis pontos fundamentais?
Caso você não tenha acompanhado a escalada dos acontecimento vai aí um breve resumo, separados aqui didaticamente e na velocidade de leitura que uma newsletter demanda. São seis pontos para você entender contexto, fato e desdobramentos recentes:
Joe Rogan foi uma das maiores contratações do Spotify para o seu grupo de produtores exclusivos de podcast. Coisa de quintenhos milhões de dólares, em 2020.
Em seu programa The Joe Rogan Experience (que não tenho paciência de verificar nem tão pouco linkar aqui), desfilou TODO TIPO de bizarrice desde sempre: terraplanistas, UFOlogistas dos mais clássicos ao estilo Bob Lazar aos mais loucos “tem um reptiliano debaixo da minha cama”, Alt-Rights a dar com pau (o que aliás é o que merecem), terapeutas holísticos, enfim, aquele caldo.
Um dos ingredientes desta sopa de tendências duvidosas foram justamente os anti-vax e negacionistas de seu país. Grupo que, aliás, segue crescendo pelo mundo, como atestam números atuais da onda da variante Ômicron: estamos testemunhando uma pandemia de não-vacinados!
A treta começou quando artistas do peso de Neil Young e Joni Mitchell ameaçaram e depois retiraram de fato seu catálogo da plataforma em protesto ao diversos episódios de Rogan nos quais não se furtou em distribuir fake news sobre a COVID-19.
O caso já regou pedido de desculpas do CEO do Spotify, retirada de episódios (mas não aqueles contra vacinas) e a não surpreendente permanência do podcaster na plataforma.
Nos movimentos mais recentes no fechamento desta edição da news, já se questiona algum tipo de moderação de conteúdo - humana, crítica e metodologicamente correta - no mundos dos algoritmos que moram em suas plataformas, como li hoje na Podnews: 40% dos americanos já considera algum controle editorial.
E é aqui que eu vou falar de fazer as pazes com a amoralidade
O meu ponto é o seguinte: assim como eu repleto de sacolas com petiscos e cervejinhas (falei que estava no aperto, não desgostoso, tá?) para o final de semana no qual finalizei um job importante e mais alguns aprofundamentos na dissertação do Mestrado, o Spotify precisa fazer as pazes com a sua vocação de plataforma devoradora de dados.
O papo seria longo se eu fosse explicar, mas posso tentar resumir em um tweet:
Captou? A coisa se agravou no pós-2008 quando, no lugar de alguma regulação, governos ainda liberaram as amarras legais para que ocorresse uma das maiores acumulações de capitais que se tem notícia.
O resultado foi o crescimento de modelos de negócio direcionados a aquisição de dados, o aumento de capilaridade da captação destes dados, a criação de dispositivos tecnológicos e sociais para a captação destes dados… dados… dados… dados.
Eu vejo dados vivos. Onde? Em todo lugar. E eles não sabem que estão vivos!
Então, provável audiência, não é à toa que Neil Young ou qualquer artista PODE sair do Spotify que eles nem tchum. Porque música, não gera tanto lucro assim para estas plataformas.
E os podcasts, a sua grande descoberta no quesito geração de inteligência de negócios a partir de dados, geram. E Joe Rogan, um dos moguls desta nova forma de captura de atenção a partir do áudio, não sai dos ouvidos dos americanos.
Pedir desculpas e não retirar Joe do ar, criar regras de regulamentação e relaxar em seu cumprimento, cagar para as implicações sociais e científicas do conteúdo que seus parceiros produzem… todos estes comportamentos e outros futuros que possam vir a inventar, só escandalizam aqueles que ainda não entenderam o nosso atual estado de coisas.
Nós somos as unidades computacionais mínimas das máquinas que comem dados. Apenas isso.
Falta ao Spotify fazer as pazes com a sua amoralidade e, assim, alimentar-se do trigo retirado da própria fazenda que ajudou a semear.
É isso. Mas tem mais.
Eu falei que tinha mais!
Além desta newsletter aqui, toda semana vamos ter post novo lá no blog da Contém Conteúdo explicando como é a nossa forma de trabalhar no universo dos podcasts.
O post inaugural fala de nossa metodologia:
Acabei voltando pro Tidal. Fiquei curioso por conta dessa celeuma e resolvi ir dar uma olhada. Havia saído da plataforma por estar muito incipiente em sua experiência.
Larguei o Spotify, não por conta da polêmica e sim pelo Tidal estar muito, muito, muito melhor. Parece que comprei caixas de som novas.
Ninguém registra as pessoas sensatas que, vez por outra, assistem o JR por curiosidade, ou, por conta de rolar alguma coisa que presta de vez em quando.
É legítimo que artistas saiam de qualquer lugar, porém é ridículo condicionar sua permanência na plataforma ao banimento de outro, no caso, o podcast do JR.
Se jogamos uma lupa em cima da obra do Neil Young e de, basicamente, todos os artistas dos anos 70/80, iremos encontrar motivos, sob a luz da contemporaineidade, para, também, exigir que sejam banidos. Letras sobre drogas e perversidades variadas há aos montes.
No fim, o Tidal não permite que artistas fuleiros lancem uma faixa qualquer produzida eletronicamente usando nomes de músicas, músicos ou bandas famosas como tag pra enganar o algorítimo e disseminar essas aberrações.
Tidal paga melhor aos artistas e tem mais qualidade de UX e de som.
Enquanto Joe Rogan não cometa um crime, como (provavelmente) rolou no caso brasileiro, quem tem de regular a situação é a audiência. Caso contrário, trata-se de censura.
NY está fazendo "leverage" nessa barganha maluca por conta de um fenômeno recente explicado no canal do Rick Beato, artistas antigos dos anos 60, 70 e 80 estão gerando mais dinheiro com seus catálogos do que os contemporâneos.
Fico me perguntando quanto dos justiceiros midiáticos não escuta "Brown Sugar", dançando escondidinhos ao som dos Stones.