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Para começar, como prova de minha comprometida devoção a você, integrante fiel de minha provável audiência, uma rápida nota de tranquilidade: não é o caso de lograr o seu momento em nosso encontro semanal levantando falsas suposições sobre sua presença por aqui. Ao tempo dedicado em consumir as mal traçadas que começam, dedico somente a verdade. Mas, como fazem alguns artefatos de comunicação e cultura que encontro pela frente, queria refletir sobre isso. Ousando ser preciso quando mal dou conta dos meus pensamentos mais vulgares: é o caso de avaliar sobre como às vezes me deixo enganar de propósito por alguns livros, filmes e conceitos.
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Deduzo que tal se dê por fatores mais ou menos já mapeados: seja pelo prazer da boa surpresa, pela capacidade de assombro pelos plot twists e, até, por que na maioria das vezes não consumir qualquer conteúdo relativo a um produto cultural antes de poder conhecê-lo em primeira mão. Assim, não leio resenhas antes dos filmes, raramente opiniões sobre livros antes de lê-los (ou tê-los, ou ainda tê-los e ler somente a introdução. Essa é uma longa história que sempre começo quando me perguntam sem medo de me verem revirar os olhos: “mas vc já leu todos esses livros aí atrás em sua estante?” Aff.), e também podcasts mono temáticos antes do episódio da série da temporada antes de vê-lo e por aí vai.
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Percebo que é quase como se seguisse este ou aquele guia de valores e comportamentos monásticos, no caso a “Ordem dos Surpreendidos”, que nos indica manter o hábito de se deixar surpreender por tudo isso que me atravessa na forma de histórias do nosso contemporâneo, estejam elas no formato mais adequado que suas recentes encarnações demandarem, à luz da realidade mais ou menos compreendida da segunda década do vigésimo primeiro século do tempo comum. Em resumo é um pacto: eles fingem que me trazem assombro, eu deixo.
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Ocorre que essa balança raramente é equilibrada e fico eu, na esmagadora maioria das vezes, doando minha parcela de alegria sem razão por filmes, livros, séries, notícias, podcasts, newsletters e demais produtos destes sem que a supresa venha de volta. E ela quase nunca vem.
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Percebo ser oportuno lembrar que a segunda edição do ano é sobre o quase que grifei acima. Aquele espaço ínfimo entre o deixar se surpreender e a surpresa real. É bem pequeno, como aquele em que se provou a fusão a frio lá no Laboratório Nacional Lawrence Livermore. Mas, assim como o evento, potencialmente transformador.
Preste bastante atenção, você está entrando nesse espaço exatamente agora.
I.
Dou play em um filme que havia chegado ao meu conhecimento a partir da ForYou do TikTok, querendo apenas uma boa história para relaxar. “Era uma vez um gênio” (George Miller, 2022, Prime Video) traz Tilda Swinton interpretando Alitheia, uma acadêmica que dedicou a sua vida a mapear a habilidade do ser humano em contar histórias. Ela viaja pelo mundo palestrando e pesquisando artefatos.
Eis que um dia, encontra uma lâmpada em um mercado árabe. E dela, claro, sai um gênio. O Djinn1, interpretado por Idris Elba é, ele sim, um contador de histórias nato que passa a próxima noite com a pesquisadora em um quarto de hotel contando sobre seus encarceramentos anteriores em diversas lâmpadas. E por que “comportar-se como um ser desejante” é tão importante para ele - em primeiro lugar - quanto para quem deseja.
A surpresa veio justamente por quão profundas são as indagações que o ser imortal propõe sobre a natureza humana, sobre seus planos na terra, sobre a evidente diferença entre a paixão escravizadora e o amor libertador. Fica ele mesmo assombrado com a possibilidade de um ser humano não demonstrar desejo.
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Fica ele mesmo consternado sobre o quão frustrante é não ser ouvido. E, durante a jornada que remonta a era Salomônica até o século XIX, nos premia com cenas bem construídas e um fluxo narrativo sempre mais importante do que firulas visuais.
Para completar tem um final aberto, sobre o qual - para não sei o autor de qualquer Spoiler -, posso debater lá em nosso Discord, tá bem? Espero vocês por lá!
II.
Confesso ser uma surpresa quase irônica, mas esta semana começou a circular a notícia que todos já sabiam que viria:
O plano pago do ChatGTP, sobre o qual falei na edição passada, já está entre nós. Em release oficial em seu blog, a turma da OpenAI nos conta sua grande ideia para nos garantir estabilidade na ferramenta e acesso a novidades primeiro do que os demais: U$ 20 por mês.
A surpresa fica por conta não do fato em si...de como estamos agora vendendo a estabilidade como diferencial pago. Como disse no Linkedin, teríamos: “monetizamos o baleiamento".2 Nada mais deveria me surpreender no mundo pós-capitalista, sei disso. Mas, tem vezes que se superam.
Soltei essa constatação em alguns espaços de encontro de mercado e quem veio construir um pensamento ainda melhor foi o querido Guga Alves - um dos pais fundadores da internet carioca-, que dispensaria apresentações, mas está muito bem introduzido em sua página pessoal.
Transcrevo techo de nosso papo no grupo, depois de sua prévia autorização:
Guga: Não acho que é capitalizar o baleiamento, é deixar claro o modelo Freemium. Usuário gratuito tem menos prioridade que o pago, 100% normal isso. Estar no ar ou não é uma questão de demanda X capacidade computacional, e capacidade computacional custa dinheiro... nem sempre vale a pena aumentar a capacidade, gerar mais custos e não ter um lucro pra mantê-lo
Até pra aumentar a capacidade pros free, tem que pegar parte da grana de quem paga pra isso, então faz parte do jogo.
É tipo o setor que trabalho, suporte pra empresas que tem plugins de WordPress. Quanto mais clientes temos, maior a equipe de suporte, e quanto mais gente mais conseguimos ter também mais tempo pra ajudar os usuários gratuitos... nesse caso aí, só troca gente por recurso computacional (pra suportar a demanda), mas é o mesmo princípio, pra crescer o suporte gratuito precisamos que de grana pra ter mais gente (ou servidores, nesse caso aí).
Mauro: Entendo e considero relevante o que traz, Guga. Meu ponto é que temos outra lógica neste tipo de empresa nascida aí na lógica deste capitalismo mais recente que é muito característica dos últimos 5-10 anos.
O modelo freemium pressupões certo encantamento com uma oferta incrível, funcional e estável. O que rola internamente para que isso ocorra, na camada usuário final, precisa - ou deveria - ser transparente.
O ponto aqui é o cinismo de vender ESTABILIDADE e SERVIÇO MÍNIMO no ar como feature pago. Acho que são leituras comerciais x técnicas aqui. :)
Guga: Mas o que o ChatGPT oferece já não é uma funcionalidade incrível? Já não tem tração e gente que pagaria pra usar como está? Então eu acho normal só pivotar o modelo e ter o plano pago agora. Não acho cinismo, acho que faz parte do jogo.
Não vejo falta de transparência, já era claro que não seria gratuito pra sempre. Se esperar ter mais e mais coisas pra lançar a versão paga, nunca lança rsrsrsrs
Não acho cinismo. Pelo contrário, acho inocência de quem não consiga ver o lado comercial disso, nunca que lancariam algo com tanto potencial sendo sempre gratuito... não existe almoço grátis
Ou tu vende teus dados e privacidade pra usar algo "gratuito" (mas que ganha com os ads usando teus dados), ou tu paga pra ter um serviço, a web já é assim faz bastante tempo…
III.
Lugar de resistência em nossos tempos históricos mais obscuros, ponto de encontro de escritores, pensadores e acadêmicos cariocas - e brasileiros - desde sempre, testemunha subterrânea de todas as movimentações políticas e sociais do centro da Cidade do Rio de Janeiro… a Livraria Leonardo DaVinci é para a Av. Rio Branco o que um Oásis é para o colonizador inglês perdido em deserto subsaariano: um ponto de refresco ou… em alguns casos miragem de uma possível maneira diferente de se ver o mundo.
A terceira e última prova de quem às vezes me deixo surpreender por artefatos de cultura de forma proposital e que existe um quase quando essa surpresa é positiva, obviamente não se refere à livraria em si, que sempre foi um dos meus esconderijos preferidos…mas ao que se deu recentemente por lá.
Quando nem o mais inspirado dos episódios do Medo e Delírio em Brasília conseguia desenhar futuro menos óbvio para nós, me deparo com essa divulgação, feita por um dos integrantes da família que até hoje coordena o estabelecimento:
Se fosse para resumir a semana que passou, em uma única peça de conteúdo, seria essa.
Conto de um Talento e seu Potencial
Ela era um aprendiz de alquimista, misturando com espírito e força elementos que mal conhecia. E com isso, se não talento, desperdiçava energia e tempo. Como fazer economizar os dois para um futuro mais promissor?
Consumindo o tempo de quem já está há muito nessa estrada, na forma de uma assinatura mensal desta newsletter aqui. Por apenas R$ 7 mensais, os assinantes da newsletter garantem:
Acesso direto à íntegra de materiais das minhas pesquisas, o que é uma super-referência;
E como conversa é o que move o mundo, temos um grupo fechadíssimo em nosso Telegram para seguir conversando, indicando leituras e debatendo os temas dos programas. Normalmente, entro em contato tão logo a pessoa assine. Mas, caso tenha deixado passar, fala comigo!
Você têm uma hora por mês de assinatura para trocar uma ideia comigo sobre projetos de conteúdo. Não é bem uma mentoria, é um papo, sabe? Pode trazer sua dúvida, uma ideia, um pedido de revisão etc.
Caiu na minha caixa postal
Se você está aqui, até agora, parto do princípio que curte newsletters, certo? Que tal dar uma moral então para outros escritores que estão por aqui? Sempre que possível, vou indicar uma das minhas leituras preferidas no Substack.
Hoje, a indicação vai para a Gaía Passarelli e o seu
que trás de tudo um muito, de textos de abertura deliciosos, à playlists fora do lugar comum e paulisticies da melhor categoria.E é isso. Até semana que vem!
Só para ilustração da provável audiência a mitologia dos Djinn do Oriente Médio transcende em muito o que os desenhos animados dos anos 80 nos mostraram. Não são bobos-da-corte azulados que cantam e dançam freneticamente. Tem toda uma dualidade - sexual inclusive - e conversam com outros mitos de formação de identidade.
Nota de Rodapé para os “xófens”: quando a internet era mato, a gente chamava “Baleiar” o fato de alguma plataforma sair do ar. O meme foi criado depois que o Twitter passou a exibir uma simpática imagem de uma baleia sendo carregada pelos pássaros símbolo do Twitter quando o serviço saía do ar. ;)