10 leituras para além da miopia do dia a dia que podem salvar o seu contexto de mundo
Trilogia do autor chinês Cxin Liu é o ponto de partida para a reflexão da semana: por que ler livros para além do óbvio se você pode se colocar a pensar?
Bato a capinha magnética do Kindle, plect, e na minha cabeça a cena que acabei de ler, congela. No caso específico - o quarto final do terceiro livro da trilogia da Floresta Sombria de Cxin Liu1, obra que está querendo ocupar um lugar nos top 10 da vida - , vem bem a calhar porque a dupla de protagonistas está em Plutão lutando pela sobrevivência da história ou da simples lembrança da espécie humana.
Este conjuntinho de três lançamentos me impactou de formas bem variadas, a primeira delas a partir da possibilidade de experimentar uma tessitura de metáforas e analogias que bebe na fonte de um idioma originalmente ideográfico e isso muda tudo. As imagens montadas são em nível de detalhamento quase sobrenatural e, em alguns casos, até dá para sentir que o original seria ainda mais rico, o que deixa no ar uma sensação de frustração deliciosa. Até porque não pretendo aprender Mandarim.
A segunda, profundamente emocional: irmão do meio estava passando por problemas de saúde transitórios e sincronizamos a leitura - ele mais rápido, claro, pois estava de licença - e comentávamos os detalhes de cada passagem. Com isso, fui catapultado para a infância, colecionando os formatinhos da Editora Abril2, guardados até hoje em meu depósito pessoal. Foi a primeira empresa que tivemos juntos e, tendo como única fonte de renda nossas mesadas, montávamos orçamentos e metas de aquisições cada vez mais agressivas.
Posso dizer que foi um sucesso ainda que modesto: por bons anos - arriscaria uma década - compramos todas as edições nacionais que saíam, e a cada mês nos dedicamos a acompanhar, lendo e debatendo muitas das sagas que dariam origem aos filmes que vocês vêem aí na Disney+. Foi isso que ler junto essa trilogia nos proporcionou novamente.
O terceiro e o que mais conecta as mil e poucas páginas da trilogia com o nosso tema de hoje: toda a trama - que acompanha o primeiro contato com uma civilização extraterrestre até 19 milhões de anos depois disso, em um movimento de fim do Universo -, é um grande exercício sobre a pequenez e da miopia humanas frente a mistérios que surgem quando entramos em contato com civilizações que encostam na categoria semi-divina.
Para além da obviedade que é reafirmar que somos seres ainda históricos e tridimensionais - e por isso presos a determinada percepção de tempo - , o motivo pelo qual trouxe a trilogia da floresta sombria na edição de hoje é para provocar outra reação: sugerir uma lista de 10 livros que fujam do óbvio quando você quiser criar contexto em sua jornada no mundo da economia criativa, da terceira web que vem aí e no pequeno satélite que orbita tudo isso, o das narrativas em áudio.
Aliás, sobre esses três tópicos vou sugerir que vocês sigam de quando em vez me contando sobre quais gostariam de ver por aqui. Semana passada Web3 liderou.
10 leituras para você ampliar seu contexto e enxergar para além da miopia humana
Fazer listas é alto sempre difícil: é um exercício de claro-escuro onde pintamos uma realidade a partir de ausência de algo, ou por conceitos que só são entendidos a partir do confronto do seu oposto. Mas, como já caminhamos bastante para uma edição semanal, vou aqui desvelar meus objetivos com essa lista, tá bem?
No 1 ao 4 eu quero mostrar para você como estruturas técnicas, de saber e de poder se interrelacionam desde muito, mas principalmente depois de certa organização industrial que domestica o nosso tempo livre. Com 4 e 5 a ideia é visitar o estado atual de algumas destas estruturas, como elas se postam diante de nós para, entre 6 e 8 desenharmos futuros não tão solares quanto queríamos. Daí, para fechar, 9 e 10 trazem jornadas pessoais interessantes que ilustram como olhares para além do tempo podem libertá-los (9) ou manter preso seu potencial (10). Vamos à lista?
(para facilitar, cada título tem o link para compra na Amazon brasileira)
Como ler Focault: no lugar de obras clássicas do francês, preferi um guia de leitura que dá uma excelente passada por conceitos centrais e indica obras complementares;
O mundo codificado: falei da biografia do Vilém Flusser neste episódio do podcast e ela por si só já dá uma série da HBO Max. Aqui entramos em contato com a sua visão sobre como se forma a cultura e porque interagimos com ela de forma mais material e orgânica do que imaginamos;
O Homem pós-orgânico: um dos clássicos da professora carioca Paula Sibilla, o livro pode ser entendido como uma continuidade de alguns dos conceitos dos pontos 1 e 2, na direção da superação do homem pelo homem naquilo que ele topou negociar de sua humanidade ou, ainda, foi forçado a colocar em jogo;
24/7: texto já famoso em críticas e resenhas na imprensa além de editais em diversos processos seletivos do meio acadêmico, traz a visão do autor inglês Jonathan Crary sobre como uma série de dispositivos atuais de nosso tempo (utilizando aqui o termo na acepção do autor homenageado na indicação 1) atuam para lotear, capturar e comercializar aquela que seria a última fronteira disponível para pleno exercício da liberdade no contemporâneo: o sono;
Happycracia: você já sentiu obrigado a ser constantemente feliz? Muito provavelmente já e isso pode ser culpa da Psicologia Positiva. O psicólogo Edgar Cabanas e a socióloga Eva Illouz explicam como isso começou e o que representa para a sociedade de hoje;
Diante de Gaia: avançando algumas centenas de anos no futuro, o livro que reúne oito conferências de Bruno Latour nos propõe entender o que vem a ser o antropoceno. Spoiler: a gente cresceu tanto (numericamente falando) que somos força da natureza suficiente para destruir o planeta;
Guerra pela eternidade: os originais deste livro do jornalista Benjamin R. Teitelbaum começaram a circular por certos grupos acadêmicos pouco antes do lançamento…e soavam como lenda urbana ao demonstrar que governos de Brasil, EUA e Rússia todos bebiam da mesma fonte ideológica, com aspecto de seita capitaneada pelo Steve Banon. Mas, sim, te seu valor a nos ajudar a entender o crescimento neo-conservador ultra radical;
Do transe à vertigem: pegando carona na obra anterior, o trabalho do filósofo e professor da PUC-Rio Rodrigo Nunes dá a você ferramentas para exercitar o seu pensamento crítico sobre o governo Bolsonaro;
Leonardo Da Vinci: e como tem hora a gente tem que respirar, trouxe um das biografias mais recentes de Walter Isaacson que apresenta a jornada completa - e controversa - do gênio do Renascimento. Para além do óbvio que toda bio do Da Vinci precisa ter, esse livrão está aqui (são mais de 600 páginas) porque nos mostra que fora do contexto da miopia dos tempos atuais, criadores faziam gerar a economia deste sempre;
A história de Joe Shuster: por outro lado, os atropelos daquele que foi o criador do Superman, ainda nos anos 1930, trazem um contraponto importante sobre falta de gestão de carreira e contrato. A biografia de Joe - aqui em quadrinhos - é uma viagem deliciosa pela época de ouro da oitava arte.
Antes de ir: biscoitinhos para a provável audiência
Lancei o segundo episódio do SheRocks, o primeiro podcast do Rock in Rio. Confira o bate-papo entre uma de nossas apresentadoras, a Renata Simões, e as incríveis Keila e Aíla, que lideram a cena do Treme e do Thecnobrega lá em Belém;
Lancei também o terceiro episódio. Nele, Gaía Passarelli conversa com Guta Braga (do Grupo MCT - Music, Copyright e Tecnologia) e Erika Lobo (professora da AIMEC - Academia Internacional de Música Eletrônica) sobre o estado da arte atual da produção musical;
Logo depois desta edição aqui, sai a primeira “valendo” de outra newsletter, com perfil mais corporativo, lá no Linkedin. Na edição desta semana eu trago um debate sobre como lidar com o primeiro contato que fazemos com profissionais pós-pandêmicos. Inscreva-se aqui.
Comecei a assistir um material bastante curioso na HBO Max, a série The Rehearsal. O plot: um cara que treina os outros para enfrentar conversas difíceis em suas vidas. Mas faz isso com requinte: monta cenários e encena possíveis situações com figurantes. É um pouco assustador em um nível reflexivo, eu diria. ;)
Lembrando que a ideia é seguir conversando sobre estes e outros temas em nosso Discord. Já está por lá?
Por hoje é só. Até semana que vem.
Eu li no Kindle, mas tem em versão física também na livraria do careca. Só para contexto, o autor também criou o livro que deu origem ao filme Terra à Deriva, lá na locadora vermelha.
Para quem veio depois dos anos 80, separei aqui uma explicação do que vem a ser esse tal “formatinho”:
Formatinhos me despertam dois sentimentos contraditórios: saudades, pois eram a nossa interface com os quadrinhos (e tenho tb minha pequena coleção particular do que restou) e objetos de desejo e ao mesmo tempo revolta pela forma como trituravam os originais pra caber no tamanho econômico das gráficas brasileiras. Mas a memória é deliciosa e mexe com a gente.