A hipótese aceleradora.
Proposta de padrão de pensamento criativo para uso de I.As | Cangaço Novo | Nicholas Britell
Tem semana que nem sete dias salvam, mesmo que se esforçassem 24 horas.
Você se vê em um fluxo de não-certezas que nos colocam a observar nosso próprio Sísifo interior: arrastando pedras cada vez maiores por ladeiras debochadas para, uma vez lá em cima, submetermo-nos à realidade-espetáculo que nos faz recomeçar.
Tome por exemplo, o uso criativo de Inteligências Artificiais Generativas.
Olhando no rascunho da memória, creio ser culpa do Janeiro de 2023.
Janeiros são para mim as férias. Tradicionalmente é tempo de relembrar como é o meu ritmo do pensar, mais cadenciado, criado e curtido em verões na Região dos Lagos do Rio de Janeiro quando me permitia poucas coisas.
O acordar cedo para praia das crianças, o mergulhar de snorkel pra ver tartaruga, o dormir depois do almoço embalado por maré suave e desequilíbrio - raramente alcoólico, porém às vezes, sim - , e o acordar quando a tarde deita, tomar a fresca, ver parquinho, comer pipoca e recomeçar tudo novamente. Sem pressa. Mas correndo para não perder viver.
Só que em 2023, não houve. Em casa, sem viagem ou fresca, me sobrou ler e estudar os porquês dos modelos de linguagem de inteligências artificiais generativas. Que fique avisada a provável audiência: a cada um lhe é permitido escolher o próprio estupefaciente. E ousar sobreviver ao seu uso contínuo.
Daí que comecei ali pelo chatGPT, tentando montar alguns guias rápidos sobre conceitos acadêmicos; passando para as anatomias de prompts de I.As de imagem (Midjourney e um tiquinho de Leonardo.ai) e depois levando esse aprendizado para alguns times criativos com os mais interajo, como você pode ver nesse vídeo:
Passei também por um teste um pouco mais ousado: clonei minha voz na intenção de criar um podcast automático. No qual um texto pudesse virar uma narração competente. Não virou, mas rendeu boas risadas aqui, aqui, aqui e neste abaixo, o que considero melhor resolvido:
Mais recentemente, estou me dedicando a estudar profundamente as técnicas para se otimizar fluxos de curadoria de conteúdo para pelo menos três projetos bem legais, alguns meus, outros de futuros interessantes que vem por aí.
Na prática, estes fluxos usam todas estas ferramentas (e outras que devem surgir em breve) para transformar o mais singelo ato de um curador tradicional (um bookmark) em fluxos otimizados que têm a capacidade de ler, resumir em dois ou três abordagens diferentes e, com alguma sorte, desdobrar e adiantar textinhos de divulgação para os principais condomínios digitais e suas timelines pouco generosas.
E olha só que legal, esta abordagem deu muito certo. Ouso dizer que, com a minha ajuda marcas, startups e criadores de conteúdo, podem associar aos seus projetos vários perfis em redes sociais, blogs e roteiros com personalidades diferentes de forma quase automática. (Expliquei muito brevemente nas notas de rodapé em uma ou duas edições atrás)
Desconfio que tenha me transformado em uma discreta Quimera que insiste em manter-se ativa, ou, um Estrategista de Prompts. Mais um para a lista, mais uma história para explicar para a minha filha1 caçula que já sinto adiantar a fala: "por isso quero ser Médica. É mais fácil aprender a operar um apêndice do que entender o que você faz.”
E, então, chegamos no oito de novembro. Estamos agora eu e você de minha provável audiência como Ralph Macchio em Crossroads, com sua viola debaixo do braço e possíveis contratos a serem assinados com o sobrenatural do dia-a-dia.
Por que nessa história toda tem algo que me incomoda. Tem a ver com o lugar onde posicionamos o uso das I.As em workflows criativos. E esse incômodo me fez trabalhar em uma hipótese.
Estou provisoriamente chamando de "hipótese aceleradora”
Pede o protocolo que eu vaticine coberto de falta de razão a dita hipótese antes de seguirmos. Então, lá vai:
Ao testemunhar meus testes, testes de outros perfis e até versões clonadas de avatares de profissionais de indubitável competência, acredito que posicionar o potencial das I.As generativas na ponta final de um workflow criativo é uma escolha ruim.
Extremamente cabotino fazer o que vou fazer agora, mas é preciso: vou explicar pela antítese primeiro, tá? Jesus, perdoa quem só faz querer escrever o que sente.
A antítese é que quando colocamos o poder das IAs no ato criativo final como, por exemplo, criar um avatar de minha imagem e usar este avatar e/ou voz clonada para ler notícias do dia; eu apenas me submeto à tecnologia.
Temos aceitado a submissão a diversas ondas tecnológicas. Pretensamente performando inovação quando estamos ali somente gerando dados para plataformas, por exemplo. Já falei sobre isso analisando a cena dos podcasts depois de 2016.
A minha leitura, portanto, é que submeter-se a certo "aceleracionismo" artificial é um uso primário e, talvez, esperado pelos landlords da I.A, os mesmos bilionários de sempre que amamos odiar.
Ou seja, aceitamos a submissão final de nossa performance enquanto criadores de conteúdo, colhendo resultados duvidosos e plasmando uma realidade baseada em usos iniciais.
Dá até para fazer uma comparação com os new-podcasters pós-Flow mais interessados na mais viralizável captura de suas performances em conversas vazias em um ambiente filmado do que produzir com conteúdo. Estamos inseridos, afinal, na mesma prática, na mesma contemporaneidade: simulamos performances a todo o momento.
Por outro lado…
Quando a gente posiciona o auxílio das IAs em processos de otimização de workflows criativos e não em seu produto final, exergo algum progresso. O caso que citei dos blogs automáticos é um bom exemplo.
O post final, raramente, virá pronto. Mas, o ato de organizar 150 links semanais, resumi-los, condensar pontos principais e dali extrair o caminho criativo que você quer seguir, sim.
Clonar sua voz e seu avatar e simular uma apresentação, é submissão.
Hackear o tempo, fazendo uma IA sintetizar uma imensa quantidade de informação como ferramenta para o seu fazer criativo, é libertação.
Assim, a Hipótese Aceleradora se sustenta no uso bem localizado de ferramentas que encurtam o tempo do criador.
A sobra do tempo, é dedicada ao furor (ou elan, ou disposição) em criar novas narrativas, de entender, de questionar. Em uma frase: a sobra do tempo trabalha para o criador.
Vamos até aqui esta semana. Em algum momento futuro, trago maior densidade para ela.
[PLAY] → Cangaço Novo
Graciliano Ramos e Tarantino tiveram um filho
Dei finalmente um [PLAY] nesta tão comentada série Cangaço Novo (PrimeVideo, 2023). Produzida pela O2 Filmes em parceria com os seus criadores Mariana Bardan e Eduardo Melo, a série está no topo de listas dos mais vistos no Brasil e em outros países do mundo.
A direção de fotografia marcada em dois grandes ambientes - passado de origem e presente de redenção -, já nos mostra a que veio deste os primeiro dos oito episódios: contar a jornada de vários anti-heróis improváveis a medida que descasca a cebola de suas personalidades e vidas pregressas.
Mas, enquanto narrativa fílmica, o que mais me chamou atenção foi a evidente alquimia entre os livros clássicos que registraram o nordeste e o pulp criminoso de Tarantino (seja em Pulp Fiction, Cães de Aluguel ou Jackie Brown). É como testemunhar o nascimento de um híbrido improvável e até por isso, tão realista.
Alice Carvalho é para se ficar de olho.
Este mini-doc sobre as dificuldades de se produzir no Nordeste brasileiro, também:
Sim, tem biscotinho porque estou aqui para isso.
Nicholas Birtell é o autor da trilha sonora de Succession, trabalho com o qual ganhou o Emmy de Melhor Tema de Abertura. Seu portfólio incluí ainda as trilhas de "New York, I Love You" (2009), "12 Years a Slave" (2013), "Whiplash" (2014) e "The Big Short" (2015). Eu ouço ele aqui para escrever →
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Abro minha página de BIO com esta história familiar: minha filha tenta há anos explicar para as amigas o que o Pai faz. Quando nem ele sabe.
Cangaço Novo realmente impacta. E gostei da linha de raciocínio sobre em que momento da cadeia criativa faz mais sentido ter ajuda artificial. Confesso que tenho um pouco de inveja de quem consegue ir conectando ferramentas assim pra ajudar na produtividade....